terça-feira, 10 de março de 2015

IMPEACHMENT (IMPEDIMENTO) DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA


IMPEACHMENT (IMPEDIMENTO)

 
Meus caros,

Em virtude do conturbado clima político, tenho recebido muitos pedidos para explicar como funciona o impeachment (impedimento) do Presidente da República, e o que acontece caso ele venha a ser efetivado.

Primeira questão: o impeachment, a rigor, é a pena aplicada ao Presidente da República, em caso de condenação por crime de responsabilidade. Consiste na perda da função pública, do mandato (pena essa que, aliás, deve ser cumulada com a inabilitação para exercer outro cargo ou função pública, pelo período de 8 anos, nos termos do art. 52, parágrafo único, da CF). Apesar disso, o termo é muitas vezes usado também para designar o próprio procedimento de investigação/punição do Presidente.

Quais os fatos que podem justificar o impeachment? A prática de um crime de responsabilidade, que, apesar do nome, é um ilícito que não tem natureza criminal, propriamente dita, mas de infração político-administrativa. Onde estão definidos os crimes de responsabilidade? Genericamente, no art. 85 da CF, que é regulamentado (detalhado) pela Lei nº 1.079/50. Basicamente, constitui-se em crime de responsabilidade o mau exercício da presidência, por meio da violação de vedações ou do descumprimento dos deveres de Chefe de Governo e de Estado.

Como se percebe, o julgamento é político. Embora precise haver provas, e apesar de existir um procedimento a ser seguido, a decisão final é de caráter eminentemente político – tanto que o STF entende não possuir autorização para rever a decisão que decreta o impeachment do Presidente da República.

Como se dá o processo de apuração do crime de responsabilidade? Primeiramente, é preciso que algum cidadão (=brasileiro no pleno gozo dos direitos políticos) apresente uma denúncia contra o Presidente, narrando os fatos praticados pelo Chefe de Estado e que, na visão do denunciante, constituem algum crime de responsabilidade previsto na legislação (art. 14 da Lei nº 1.079/50). Isso não assegura, porém, a instauração do processo. Será preciso que a Câmara dos Deputados analise a denúncia, para decidir se autoriza ou não a abertura de processo contra o Presidente. A votação é aberta (pública), e a autorização precisa da concordância de 2/3 dos 513 Deputados (CF, art. 51, I). Se a Câmara autorizar o processo, caberá ao Senado Federal instaurá-lo – e, a partir desse momento, o Presidente fica suspenso de suas funções (CF, art. 86, § 1º, II).

O Plenário do Senado Federal, em sessão presidida pelo Presidente do STF, julgará o Presidente da República, absolvendo-o ou condenando-o (a votação também é aberta, e a condenação exige a concordância de 2/3 dos 81 Senadores). Note que o Presidente do STF não vota, apenas preside a sessão!

Uma pergunta importante: pode o Presidente ser processado por atos anteriores ao mandato? A resposta é negativa, por dois motivos. Primeiro, porque o Presidente goza da chamada imunidade processual temporária (CF, art. 86, § 4º), não podendo ser processado por atos não praticados em razão das funções. Demais disso, a figura do crime de responsabilidade pressupõe justamente o mau exercício da presidência – é preciso, então, que o ato tenha sido praticado quando a pessoa já exercia o cargo. É possível, em caso de reeleição, cassar o mandato por atos praticados no mandato anterior? A CF nada fala a respeito, e a doutrina é divergente nesse ponto, mas particularmente entendo que não – a reeleição é o julgamento máximo que absolve politicamente os fatos praticados no mandato anterior. Em outras palavras: se alguém planeja apresentar denúncia contra Dilma, terá que usar como argumento fatos praticados já após a reeleição.

Pode haver impeachment por crimes cometidos durante a campanha? Mais uma vez, a CF nada fala a respeito, mas a resposta é não, pois atos de campanha não são atos praticados na qualidade de Presidente. Se o Chefe do Executivo praticou ilícitos durante a campanha, poderá ter o mandato cassado – mas pela Justiça Eleitoral, em caso, por exemplo, de abuso de poder político ou econômico (se ficar comprovado, por exemplo, que os recursos de campanha vinham de propina da Petrobras). Nesse caso, poderá ser feita representação por abuso de poder econômico ou político, por “qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral”, nos termos do art. 22 da Lei de Inelegibilidades (Lei Complementar nº 64/10).

E, principalmente, em caso de impeachment, quem assume a Presidência? O impeachment gera a vacância do cargo de Presidente. Nesse caso, então, o Vice-Presidente sucederá o Presidente, completando o que falta do mandato, até o fim (CF, art. 79, caput). Não há que se falar, portanto, em novas eleições. Foi o que aconteceu, inclusive, com Itamar Franco em relação a Fernando Collor. Dando nomes: em caso de impedimento de Dilma Roussef, Michel Temer assumirá o mandato até o final (podendo, inclusive, ser candidato à reeleição). Para haver nova eleição, só se houvesse a dupla vacância (vacância de Presidente E Vice), em caso, por exemplo, de impeachment de ambos. Teria que ser provado, porém, um ato ilícito dos dois, o que é mais raro ainda. Em caso de dupla vacância, aí sim teríamos novas eleições para Presidente E Vice: se a dupla vacância ocorrer nos dois primeiros anos do mandato, novas eleições diretas; se nos dois últimos anos do mandato, eleição indireta pelo Congresso Nacional (CF, art. 81).

Por fim: impeachment é golpe? Não, pois se trata de um procedimento previsto na própria Constituição. Contudo, é preciso haver uma base probatória mínima. É um julgamento político, mas é um julgamento. Não se pode pedir impeachment apenas porque não se gosta da Presidente ou porque se arrependeu do voto dado (preste mais atenção da próxima vez, ora!). Por outro lado, usam de má-fé os que associam os pedidos de impeachment a golpe – quem diz isso não tem a menor ideia do que é um golpe de estado. Claro que fazer o impedimento sem haver fato seria um golpe, mas apresentar a denúncia é um fato normal, cabendo à Câmara e ao Senado analisar o caso. O PT, aliás, na longínqua época em que era um partido de oposição e que defendia a ética, muitas vezes fez passeatas “Fora FHC”, sem qualquer base, mas esse é o papel da oposição.

Por fim, uma pitada de opinião pessoal. Não votei na Presidente Dilma e acho o governo dela muito ruim. Mas impeachment é coisa séria. Não vejo base para qualquer pedido nesse sentido (ainda), embora eu, se fosse ela, colocaria as barbas de molho e pararia de apostar na divisão do Brasil (e de jogar a culpa de tudo na imprensa e em FHC). Repito: não acho que exista base para pedir impedimento de uma Presidente recém-reeleita (mesmo que muita gente tenha caído na história da carochinha de que o PT não mexeria em direitos “nem que a vaca tossisse” – aprendam, na próxima). De qualquer sorte, a discussão é válida e faz parte da democracia – quem discute esse tema não é, portanto, golpista. Ou, em suma: para variar, os dois lados estão certos e errados, cada qual com sua culpa.

Bons estudos!

17 comentários:

  1. Boa noite, professor.

    Desculpe usar o seu blog para falar de um assunto não relacionado a ele.
    Mas acho importante alertá-lo sobre um problema que estou passando no site Tempo de Concursos.
    Comprei o curso de Direito Constitucional básico ministrado pelo senhor há um mês.
    Desde então venho entrando em contato com os telefones e emails do site, pois só estão disponibilizados no portal 6 vídeos de teoria, sendo que nenhum é de resolução de exercícios. Não existe fórum, não existe material disponível em PDF.
    Após entrar em contato inúmeras vezes e nada ser resolvido, venho fazer essa última tentativa de resolver esse problema, pois gostaria muito de fazer o curso com o senhor. Sei que o senhor é um profissional sério e isso está acontecendo por erro do site.

    Fico aguardando.

    Desde já, agradeço a atenção.

    Patrícia Amorim

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  2. Olá professor. Parabéns pelo texto.
    Sua explicação condiz com o que eu penso. Eu também não gosto do governo PT, mas não visualizo justa causa para a instauração de um processo de cassação do mandato. Acho que as manifestações são necessárias, porém com reivindicações objetivas, quais sejam:

    1- Total independência do Poder Judiciário: o poder judiciário sofre interferência do poder executivo na escolha dos membros do STF, fato esse, que, na minha opinião, compromete a imparcialidade dos julgamentos. Os membros do STF deveriam ser escolhidos e nomeados pelo próprio judiciário, dentre os membros da magistratura, se preenchidos critérios objetivos, mediante eleição pelos magistrados.

    2- Da mesma maneira se procederia com a escolha do chefe do Ministério Público o PGR.

    3- Mais autonomia para a Polícia Federal, que por analogia, poderia ser igual a uma agência reguladora, portanto a escolha do seu dirigente seria feita mediante eleição pelos próprios delegados.

    Veja que falo das instituições mais importantes do país quando se trata de aplicação da Lei, ou seja, instituição que julga, que acusa e que investiga.

    4 - Por último, penso que talvez até uma utopia, mas em fim.... A extinção dos partidos políticos, pois eu os vejo como verdadeiros parasitas do estado.

    Já pensei muito em uma forma de disseminar essas idéias, mas como você bem sabe, isso é uma briga grande, além do mais, sou concurseiro e não sobra tempo para ser ativista. rs. Obrigado.

    Bruno Miranda (br.miranda1@gmail.com)

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  3. O Fora FHC, gritado em manifestações do PT, Não eram sem a menor base como vc afirma. Foram 100 BILHÕES no esquema de corrupção com as privatizações.

    Da mesma maneira que o Fora Dilma tem base, devido a tudo que estamos vendo e vivendo.

    O chato é que sempre puxamos sardinha para um partido. Por isso o Brasil não muda.
    Se a Dilma cair, Michel Temer assume, e nas próximas eleições ou ganha Lula ou Aecio, ou seja, se for Lula continuamos na merda, se for Aecio voltamos para bosta.

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    1. Ludmila Melo, exatamente isso, enquanto estivermos olhando partidos, estaremos fadados à miséria, sejamos mais inteligentes, a grande questão é o povo brasileiro,que paga uma carga tributária enorme pra sustentar políticos sem o mínimo de compromisso com a sociedade.

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    2. Eita que Lulla fez escola: basta inventar um número qualquer (R$100 bilhões) sem qualquer compromisso com a verdade, sem fonte, sem nada. Pronto. Já era. Engraçado que o s governos posteriores, os órgãos de controle (TCU, CGU, PGR, PF) tiveram 13 anos pra apurar, julgar e condenar quem desviou e até mesmo re-estatizar tudo e não fizeram nada.

      Ou tentaram e não acharam ou prevaricaram.

      De qualquer forma, é o pior tipo de defesa que se pode invocar neste momento.

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  4. Como sempre um texto sólido e esclarecedor. Parabéns!

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  5. Trindade, como ex-colega da UFPB, fico muito lisonjeada de ter dividido algum tempo em sala de aula com pessoas como você. Parabéns pelo texto tão didático e preciso. Sem dúvidas, você sempre mostrou para que veio nesse mundo. Pessoas como vocês devem ter muito mais sucesso.

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  6. Professor, o comportamento do Governador Beto Richa é passível de impeachment???

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  7. Olá.

    Eu estou aqui analisando a lei de impeachment, em nenhum momento diz que o início do procedimento cabe somente ao Presidente da Câmara de Deputados, ainda não diz sobre algum recurso sobre o indeferimento do pedido. Então, caso pudesse responder, na ocorrência do indeferimento do pedido no meu pequeno entendimento seria mandado de segurança para Supremo Tribunal Federal?.. Seria isso Professor João Trindade?.

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  8. Professor, muito bom seu texto! Tirou-me muitas dúvidas!

    Mas questiono, um anoapós escrevê-lo, diante das novas notícias, ainda acha que não tem base jurídica para o impeachment?

    Para ficar claro: não pergunto com nenhum viés político, tampouco ironia.

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  9. Li uma matéria na "Folha de SP", com Delfim Neto em que diz que o "impeachment" só é possível quando há VIOLAÇÃO DE FUNÇÃO.Teria como explicar como se dá essa violação de função, Professor?

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  10. Um crime comum dá impeachment !! Ex um assassinato !!!

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  11. Um crime comum dá impeachment !! Ex um assassinato !!!

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