quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Sistema partidário brasileiro (Ciência Política para o concurso de Analista da Câmara)

Meus caros,
como o edital de Analista da Câmara prevê tópcios de Ciência Política, resolvi compilar alguns escritos antigos e partes de obras minhas que tratam sobre o tema, com um trabalho que elaborei, em conjunto com meus colegas Bruno França Amaro e Vinícius Centurión.
Espero que seja útil!
Bons estudos!

SISTEMA PARTIDÁRIO BRASILEIRO – NOÇÕES

1. NATUREZA JURÍDICA

Muito se tem discutido sobre a natureza jurídica dos partidos. Para Virga, seriem um misto de associação, por se constituírem em um grupo de pessoas juridicamente vinculadas a um estatuto, e de órgão do Estado, pela característica de grupo eleitoral e parlamentar. Em contraponto a essa posição (compartilhada, no Brasil, por Fávila Ribeiro) define-se Biscaretti di Ruffia, que vê nos partidos apenas o aspecto de associações, apenas desempenhando a função de entidades auxiliares do Estado, ou seja, apenas no exercício privado de funções públicas.
Com o advento da Constituição de 1988, toda essa discussão cai por terra, uma vez que o texto constitucional é ao definir, no referido art. 17, § 2º, que "os partidos políticos, após adquirirem personalidade jurídica, na forma da lei civil, registrarão seus estatutos no Tribunal Superior Eleitoral". Ora, se os partidos adquirem personalidade jurídica de acordo com a lei civil, não podem ser classificados de outra maneira, senão como pessoas jurídicas de direito privado, regidas, no que couber, pelo Código Civil, pelo Código Eleitoral e por outras leis (LOPP: Lei nº 9096/95).
Sendo pessoas jurídicas de direito privado, é necessário, no ato da fundação da agremiação, que se proceda à respectiva inscrição no Cartório de Registro de Títulos e Documentos, para que, só então, seja levado ao TSE o estatuto1.

2. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DOS PARTIDOS POLÍTICOS

2.1. LIBERDADE PARTIDÁRIA
Conforme se depreende do art. 17, caput, da Constituição Federal, aos partidos é assegurada ampla e irrestrita liberdade de criação, fusão, incorporação e extinção. Além das liberdades conferidas à agremiação, cumpre ressaltar as concedidas aos próprios membros desta, quais sejam: filiar-se e permanecer filiado ao partido ou dele se desligar. Embora pareçam direitos mínimos, básicos, é mister recordar os obscuros períodos de ditadura vividos pelo Brasil, causa de constante temor no constituinte que, saído de um período de terror, prefere pecar pelo excesso de minúcia na enumeração dos direitos que pela abertura de brechas, o que possibilitaria atitudes de nova violência à democracia.

2.2. CONDICIONAMENTOS À LIBERDADE PARTIDÁRIA

Da mesma forma que condena e busca evitar os abusos do Estado sobre as agremiações políticas e destas sobre os respectivos filiados, o texto constitucional dispõe, ainda no caput do art. 17, sobre os condicionamentos impostos à liberdade partidária.
Os partidos políticos têm por obrigação resguardar: a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo e os direitos fundamentais da pessoa humana. Ou seja, não será registrado no TSE o estatuto de partido que fira qualquer dos princípios fundamentais elencados na Constituição Brasileira. Além disso, reputa-se obrigatório ao partido o caráter nacional, diferentemente do regionalismo partidário vigente em outras épocas da nossa história.
A Lei Maior, entretanto, não define o que seja esse “caráter nacional”; deixa a cargo da legislação ordinária regular as exigências para reconhecer um partido como efetivamente nacional. De acordo com a Lei Orgânica dos Partidos Políticos, o caráter nacional é reconhecido ao partido que, no ato do registro no TSE, comprovar “o apoiamento de eleitores correspondente a, pelo menos, meio por cento dos votos dados na última eleição geral para a Câmara dos Deputados, não computados os votos em branco e os nulos, distribuídos por um terço, ou mais, dos Estados, com um mínimo de um décimo por cento do eleitorado que tenha votado em cada um deles.2. Além disso, a mesma lei restringe o registro aos partidos com um número de fundadores “nunca inferior a cento e um, com domicílio eleitoral em, no mínimo, um terço dos Estados”.
Há, porém, uma questão interessante acerca do caráter nacional dos partidos políticos: a cláusula de barreira, prevista na LOPP e declarada inconstitucional pelo Supremo.
Trata-se de mecanismo não desconhecido no Direito Comparado (Paulo Bonavides registra a utilização na atual Alemanha3) e que foi positivado no Brasil no art. 13 da Lei Orgânica dos Partidos Políticos (LOPP – Lei nº 9.096/95), segundo o qual “Tem direito a funcionamento parlamentar, em todas as Casas Legislativas para as quais tenha elegido representante, o partido que, em cada eleição para a Câmara dos Deputados obtenha o apoio de, no mínimo, cinco por cento dos votos apurados, não computados os brancos e os nulos, distribuídos em, pelo menos, um terço dos Estados, com um mínimo de dois por cento do total de cada um deles”.
Cuida-se, então, de condicionar o funcionamento parlamentar (participação em comissões, recebimento de recursos do fundo partidário) ao atingimento de um percentual mínimo (barreira) de votos pelos candidatos do partido na eleição proporcional.
Tal preceito foi aplicado nas eleições de 2006, o que levou partidos tradicionais (PDT, PV, entre outros) a ficarem impedidos de exercer plenamente as atividades parlamentares. A constitucionalidade dessa medida já era objeto de duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIn nº 1.351-3 e 1.354-8), ambas de relatoria do Ministro Marco Aurélio, as quais o STF julgou logo após o pleito de 2006.
No julgamento, o Pretório Excelso considerou inconstitucional tal restrição à participação dos pequenos partidos, com base principalmente no argumento de que o pluralismo político, fundamento da República Federativa do Brasil (CF, art. 1º, V), determina igualdade de condições e competição eleitoral entre partidos grandes e pequenos, em prol da correta manifestação das idéias democráticas.
O acórdão restou assim ementado:
“PARTIDO POLÍTICO - FUNCIONAMENTO PARLAMENTAR - PROPAGANDA PARTIDÁRIA GRATUITA - FUNDO PARTIDÁRIO. Surge conflitante com a Constituição Federal lei que, em face da gradação de votos obtidos por partido político, afasta o funcionamento parlamentar e reduz, substancialmente, o tempo de propaganda partidária gratuita e a participação no rateio do Fundo Partidário.”4.
2.3. DISCIPLINA E FIDELIDADE PARTIDÁRIAS

São duas determinantes estatutárias, e não legais5. Devem, portanto, estar claramente previstas no estatuto do partido, inclusive as sanções em caso de não cumprimento por parte de filiado.
A disciplina partidária consiste no respeito às instituições e diretrizes partidárias, ou seja: acatamento do estatuto e dos objetivos do partido, cumprimento dos deveres partidários, probidade no exercícios de mandatos e funções partidárias e aceitação das decisões tomadas pela maioria dos filiados. Questão eminentemente disciplinar é, também, a não observância às diretrizes programáticas, fato que, juntamente com o já citado acatamento das decisões legitimamente tomadas pelo diretório, foi objeto de profundas discussões, ultimamente, em função da expulsão de senadores, entre eles Heloísa Helena (AL) e Babá (PA), do Partido dos Trabalhadores, sob pretexto de descumprimento das diretrizes estabelecidas pelo partido.
Fidelidade partidária é um tema controverso que, por causa disso, tem sido posto à margem da prática política nacional (salvo raríssimas exceções), seja por falta de compromisso ideológico com a legenda, seja por arbitrariedade da executiva do partido.
Atendo-nos mais aos caracteres jurídicos sobre a fidelidade partidária, podemos perceber que esta é quebrada quando se dá: a) oposição, por atitude ou voto, às diretrizes legitimamente estabelecidas pelo partido; b) apoio ostensivo ou disfarçado a candidatos de outra agremiação (resguardadas as coligações).
Ademais, é interessante perceber que o estatuto do partido deve conter a cominação de penalidade em caso de infidelidade partidária.
Interessante perceber que a Constituição Federal não prevê, expressamente, a perda do mandato para o titular que cometa infidelidade partidária (art. 55). Não obstante essa falta de previsão, o Tribunal Superior Eleitoral, respondendo consulta (1.398/DF, realizada pelo DEM), entendeu que “os partidos políticos e as coligações partidárias têm o direito de preservar a vaga obtida pelo sistema eleitoral proporcional, se, não ocorrendo razão legítima que o justifique, registrar-se ou o cancelamento de filiação partidária ou a transferência para legenda diversa, do candidato eleito por outro partido”. Tempos depois, o TSE editou resolução que prevê a perda do mandato, ainda que se trate de cargo eleito pelo sistema majoritário.
O STF, instado a se manifestar sobre o assunto, entendeu “correta a tese acolhida pelo TSE. Inicialmente, expôs-se sobre a essencialidade dos partidos políticos no processo de poder e na conformação do regime democrático, a importância do postulado da fidelidade partidária, o alto significado das relações entre o mandatário eleito e o cidadão que o escolhe, o caráter eminentemente partidário do sistema proporcional e as relações de recíproca dependência entre o eleitor, o partido político e o representante eleito” (Informativo STF 482).
Em suma: o Supremo Tribunal Federal entendeu que, como a filiação partidária é condição de elegibilidade (CF, art. 14, §3º, V), correta estaria a perda do mandato para aquele que, após a eleição, mudar de partido sem plausível justificativa.

2.4. CONTROLE EXTERNO

O controle faz parte dos princípios que regem a atividade partidária. Pode existir sob três formas básicas: o controle quantitativo, que pressupõe, para o reconhecimento do partido, o cumprimento de certas exigências formais (carta orgânica, programa, número mínimo de fundadores); o controle qualitativo ou ideológico, que exige “conformidade ideológica das postulações do partido com os fins do Estado constitucional que o há de reconhecer”6; por último, o controle financeiro, que garante a fiscalização, por parte do poder público, das finanças do partido.
A Constituição atual não estabelece explicitamente controle quantitativo, deixando-o a cargo da legislação ordinária7. A CF estipula, ao contrário, um forte controle qualitativo sobre os partidos, o que já analisamos no tópico 3.2. deste mesmo capítulo. Finalmente, o controle financeiro, pressuposto, entre outros, para o partido receber os recursos do Fundo Partidário e Ter direito ao horário eleitoral gratuito, vem normatizado tanto na Constituição quanto na LOPP.

3. CLASSIFICAÇÃO DOS PARTIDOS POLÍTICOS (TEXTO ELABORADO POR VINÍCIUS CENTURIÓN E GENTILMENTE CEDIDO PARA FINS DIDÁTICOS)

Várias classificações de partidos políticos surgiram, desde o século XVIII até a atualidade. A distinção de partidos em partidos de pessoas, que teriam por base sentimentos de amizade ou aversão, quanto a pessoas, impelindo os adeptos ao combate político; e partidos reais, que se fundam “em alguma diferença real de sentimento ou interesse”, feita por Hume, é provavelmente a mais antiga delas.
A classificação seguinte foi a de Friedrich Rohmer, exposta em 1844, na qual ele distingue quatro tipos fundamentais de partidos, cuja natureza associa-se às fases do desenvolvimento humano. São eles: a) o partido radical, com a alma das crianças; b) o partido liberal, com a psicologia dos adolescentes; c) o partidos conservador, associado ao espírito dos homens maduros; e d) o absolutista, com o caráter da velhice.
Cifrando a realidade partidária em duas formas básicas, Weber classifica os partidos políticos em: partidos de patronagem e partidos ideológicos. O primeiro tem por principal objetivo galgar o poder a fim de conquistar posições de mando para os seus dirigentes e vantagens materiais para sua clientela. O segundo busca a realização de ideais de conteúdo político, propondo-se por vezes a reformar e transformar toda a ordem existente.
O publicista francês Burdeau distingue os partidos políticos em duas modalidades: partidos de opinião e partidos de massas. Quanto aos partidos de opinião, Burdeau admite quatro situações para tal classificação: a admissão de pessoas da mais variada origem social em seus quadros; a adesão à ordem social existente, quer pelo programa, quer pela ação; quando dispuser de um fraco poder de pressão sobre os respectivos componentes; e quando patenteiam sua índole individualista através do lugar concedido às personalidades políticas.
Contrapondo-se aos primeiros, os partidos de massas representam os interesses e não opiniões, de grupos ou classes, não de indivíduos ou personalidades, de homens impulsionados pelo inconformismo com a ordem existente. Agrupando os filiados, que abdicam sua autonomia em proveito do grupo, segundo critérios econômicos, origem material ou destinação material das aspirações igualitárias.
Nawiasky viu a necessidade de classificar, ainda, os partidos políticos de acordo com o conformismo ou descontentamento em relação à ordem estabelecida, em partidos de movimento, que buscam alterações básicas no sistema institucional vigente; e partidos da conservação,que se concentram na resistência às mudanças propostas, com referência às instituições, sendo estes últimos os partidos da ordem e da tradição.

3.1. Os sistemas de partidos

Em todo Estado partidário contemporâneo o sistema de partidos engloba, não só o número de partidos existente, mas também suas estruturas internas, ideologias, as relações que mantêm entre si, bem como o papel representado pela oposição.
Considerado elemento essencial das instituições políticas por alguns, o sistema de partidos possui notória importância, correlacionando-se fortemente com o regime político do Estado. Assim, sistemas pluralistas de partidos correspondem, em regra, às democracias liberais; enquanto o sistema de partido único, aos regimes autoritários, vale salientar, ainda, que certos autores atribuem a eles um sistema sem partidos, por não identificarem no partido único, os atributos próprios de entes dessa natureza.
O Estado partidário contemporâneo adota três sistemas principais de partidos: o bipartidário, o multipartidário e o partido único.
3.1.1. O bipartidarismo
Os sistemas bipartidários são aqueles em que se evidencia dois partidos que podem ter forças quase equivalentes, alternando-se no poder, o que constituiria um bipartidarismo autêntico; ou, esse sistema pode ostentar um partido dominante que se encontra quase permanentemente no poder, e outro quase sempre na oposição.
Seria equivocado supor que o sistema bipartidário significa literalmente a existência apenas de dois partidos. É possível que vários partidos concorram às urnas, entretanto, apenas dois partidos reuniriam de maneira permanente a possibilidade de chegar ao poder; é um exemplo o caso dos Estados Unidos e sua rigidez bipartidária, com os partidos conservadores e republicanos.
Vale ressaltar que, nesse sistema, o partido vencedor normalmente dispõe da maioria absoluta dos votos, o que lhe permite exercer o poder sem necessidade de coligações; ou seja, tal sistema privilegia a vontade da maioria, sendo, por isso, também chamado de sistema de parlamentarismo majoritário ou de democracia direta. A maioria remanesce homogênea e em condições de exercer seguramente o poder, obedecendo, assim, à vontade expressa dos cidadãos.

3.1.2. O multipartidarismo
São os sistemas de partidos que apresentam três ou mais partidos políticos na disputa do poder. Seus propugnadores louvam-no por representar o pensamento de variadas correntes de opinião, emprestando às minorias políticas o peso de uma influência, que em outros sistemas, não existiria.
Diferentemente do sistema bipartidário, o partido vitorioso nas eleições, quase sempre, não detém a maioria do Parlamento. O sistema multipartidário caracteriza-se por um jogo de negociações e tendências de aglutinação de dois ou mais partidos que venham a possibilitar o exercício do governo. Considerado diversas vezes o sistema mais democrático, o multipartidarismo apresenta certas desvantagens, já que aumenta os poderes dos representantes do povo, na medida em que é o livre jogo das coligações por eles levadas a efeito que vai determinar a formação da maioria parlamentar, o que não ocorre no bipartidarismo. O caráter, muitas vezes, instável das coligações prejudica gravemente os governos, tanto no presidencialismo quanto no parlamentarismo, pois, no primeiro, o esfacelamento partidário leva à inevitável fraqueza do órgão legislativo, que pode mais facilmente ser atingido nas suas imunidades, privilégios e competências; e no segundo, rompidas as coligações, caem os governos.

3.1.3. O partido único
Temos, historicamente, o partido único como instrumento máximo de conservação do poder em regimes autoritários, como as ditaduras do século XX, com raras exceções, sufocando o pluralismo político pela interdição ideológica. Ou seja, são de parecer, os partidos únicos, que a originalidade consiste no apoio que proporcionam à ditadura, da qual se convertem em sustentáculo.
Alguns publicistas, fazendo exceção ao postulado no qual se afirma que os partidos únicos surgem no instante em que se faz impossível a manutenção da democracia, admitem o caráter potencialmente democrático de determinadas ordens políticas, nas quais o partido único tem caráter meramente provisório, até que se consolide um sistema de instituições novas produzidas pela revolução.
A função do partido, nesse sistema, é diferente daquela que ele possui no pluralismo democrático. A eleição configura-se secundária, destituída já do caráter competitivo, sem o diálogo das opiniões contraditórias. Mas nem por isso deixa de desempenhar um papel de suma importância, visto que lhe cabe manter o contato entre o governo e as massas populares, constituir as elites do poder e sustentar a propaganda oficial do regime.
Ao analisarmos as palavras de Croce, “o sonho do partido político único, por mais bem intencionado e honesto, tem o inconveniente de se referir a algo que não é nem partido nem político”, percebemos que o autor chama a atenção para a incompatibilidade entre a noção e parte ou partido e a de todo, por conseqüência, para a indeclinável obrigação de “não identificar-se (sic) o partido com o conjunto, o povo e o Estado1”, ao afirmar que o partido único não seria partido.

3.2. Sistemas de partidos e sistemas eleitorais
As correlações que se podem estabelecer entre os sistemas de partidos e os eleitorais estão formalizadas, por Maurice Duverger, em algumas leis tendenciais; embora, de certa forma, o que se evidencia é uma inclinação para que os sistemas partidários ganhem uma conformação específica em função do sistema eleitoral adotado.
Diz Duverger, na primeira dessas leis, que o sistema majoritário de um só turno tende ao bipartidarismo, visto que estas eleições, que se contentam com a maioria relativa para que dela se extraia o vencedor do pleito, tornam absolutamente inúteis os partidos de pouca expressão eleitoral
A segunda atribui o multipartidarismo ao sistema proporcional, que poderia dificultar as alianças entre os partidos. O sistema proporcional reflete as diversas variantes das correntes políticas de um país, ainda inexpressivas, levando-as para o seio do poder legislativo e as transformam em peças relevantes para o funcionamento do governo. Logo, os grupos eleitorais de menor expressão não se sentem forçados a fundir-se a outros.
Por fim, dita a terceira lei que o sistema majoritário de dois turnos conduz ao multipartidarismo, mas tão-somente no primeiro escrutínio. Pois tal sistema consiste em exigir a maioria absoluta para a eleição do vencedor; não sendo essa obtida no primeiro escrutínio, realiza-se um segundo, do qual só participam os candidatos mais votados no primeiro. O que passa a ocorrer, então, é um jogo de coligações em que os partidos menos votados são levados a apoiar um dos dois mais sufragados, segundo as afinidades políticas que nutram8.

4. CRISE DOS PARTIDOS POLÍTICOS

4.1. Considerações iniciais e antecedentes
Não é de hoje que se registra a crise do partido político no Brasil. Desde os primórdios da vida partidária brasileira, no Segundo Império, sátiras já observavam, no Partido Liberal e no Conservador, um só partido. Manoel Gonçalves Ferreira Filho aponta, inclusive, que “traço inegável do caráter nacional brasileiro é a falta de inclinação para a vida cívica e associativa”9.

4.2. A crise mundial na representação política
“A representação política e sua atual crise não é um fenômeno somente nacional”10, segundo Cláudia Leitão. Baseando-nos nessa afirmativa, analisaremos, primeiramente, a crise da representação política mundial para, a posteriori, atermo-nos à análise do quadro brasileiro.
Depois da queda do Estado Liberal e dos desdobramentos econômicos da Revolução Industrial, desenha-se um novo quadro socioeconômico denominado pelos cientistas políticos de tecnodemocracia, que, para Duverger, está “baseada nas grandes empresas de direção coletiva, que planificam suas atividades e impõem seus produtos pela publicidade à ‘mass media’. (…) as administrações públicas e as firmas privadas adotam estruturas análogas: tornam-se grandes organizações, complexas, hierarquizadas, racionalizadas”11.
Outra característica importante da tecnodemocaracia é que ela reflete a nova necessidade do capital monopolista: a existência de um Estado forte, intervencionista, que “equilibre” a economia de forma tal a permitir aos monopolistas o melhor desempenho possível de seus investimentos. Para garantir o cumprimento de tais metas, o “grande capital” (integrado ao imaginário popular quase como um bicho-papão personificado na figura de máquinas falantes) busca, cada vez mais, dominar o poder político; não de forma direta, mas indiretamente, através da influência decisiva nos processos políticos. Paul Sweezy, analisando o imperialismo, chega a afirmar que “com o fortalecimento dos laços de classe e o aguçamento dos conflitos de classe, o parlamento tornou-se um campo de batalha para os interesses divergentes de grupos e de classes”12.
Quais seriam, então, os instrumentos utilizados pela oligarquia econômica para dominar o poder político? Citaremos os dois principais:
a) O financiamento de campanhas eleitorais, que, seja em países ricos (ver o exemplo dos EUA na última eleição presidencial)13 ou em nações pobres, é a mais clara ferramenta de controle dos políticos por parte dos capitalistas. Ao doar fundos polpudos para as campanhas eleitorais, as grandes corporações criam um vínculo, quase um compromisso de reciprocidade, que obriga o candidato vencedor a lhes prestar favores, na maioria das vezes de forma escusa e encoberta, o que contribui, cada vez mais, para a eleição de políticos corruptos e, mais ainda, para o descrédito geral nos representantes eleitos (por tabela, nos políticos em geral).
b) Monopólio dos meios de comunicação: assim como impõem seus produtos através da grande mídia, fica fácil para as corporações monopolistas:1. impor seus candidatos ou idéias políticas, fazendo-os massificados e “queridos” pela população; ou 2. estimular, por meio dos diversos veículos de comunicação, o desprezo pela classe política e pela própria representação democrática, o que torna a população menos atenta às manobras políticas escusas e mais tolerante, ou indiferente, à corrupção. Dessa maneira, o fenômeno de desinteresse pela política não é, na maior parte, uma característica cultural deste ou daquele povo, mas uma conseqüência previsível do controle da mídia exercido pelo capital monopolista.
Finalmente, é de se observar que no novo contexto pós-industrial, as grandes empresas controlam praticamente toda a vida política, diretamente, corrompendo e coagindo os políticos eleitos, ou indiretamente, através do condicionamento da própria massa de eleitores, que, indiferentes aos desdobramentos da vida política, votam “por votar”, contribuindo sobremaneira para a perpetuação no poder das vontades políticas dominantes, apesar das mudanças de rostos e personalidades.

4.3. Partido Político brasileiro: contexto específico da crise
Existem, a despeito do que foi afirmado, características específicas à organização partidária brasileira que conferem uma nota diferenciadora da nossa situação em relação à crise mundial do Partido político: são questões que se inserem no quadro sócio-político específico do Brasil, e merecem, portanto, uma análise mais aprofundada.

4.3.1. Institucionalização recente dos partidos
Somente a partir de 1934 o tema partidário foi abordado em um texto constitucional brasileiro (mesmo assim, de forma difusa e desordenada), e aguardamos até 1967 para que os partidos políticos formassem um capítulo à parte na Constituição.
O caráter recente dessa institucionalização pode explicar a fraqueza dos partidos políticos no Brasil, os quais, ainda fracos como instituição, assemelham-se mais a grupos organizados de políticos que a agremiações sólidas de reforço da democracia.

4.3.2. Falta de tradição política
É inegável a falta de tradição política do povo brasileiro, que, quase sempre alijado do direito à cidadania, ainda não está bem acostumado à realidade democrática forjada com base no regime democrático.
Apenas em 1891 foi extinto o sufrágio censitário, e só em 1934 as mulheres adquiriram o direito de votar. Essa falta de tradição da participação popular na vida política, aliada à já referida recente institucionalização dos partidos, gera graves distorções do regime partidário, principalmente: a) personalismo crônico, pois o brasileiro ainda vota quase que exclusivamente no candidato, esquecendo da legenda e da ideologia a ela subjacente; b) desinteresse pela política, inegavelmente causado, entre outros fatores, pela ignorância popular em relação aos próprios trâmites tanto do processo eleitoral quanto da atuação dos representantes eleitos; c) desvalorização do voto, talvez o maior problema da representação política nacional na atualidade, agravado no momento em que se vende o voto.

4.3.3. Fraqueza ideológica dos partidos
Quando da análise dos programas partidários, deparamo-nos, quase sempre, com o emprego desmedido de vocábulos como “democracia”, “nacionalismo”, “trabalho”, “dignidade”, os quais, perdidos em um contexto ideológico pouco definido, funcionam como “topoi”14, palavras-chave que pouco dizem, mas são por todos aceitas. Tal fato, agravado pela infidelidade partidária e pelo casuísmo das legendas, retira das agremiações partidárias legitimidade para funcionar como verdadeiros canais de representação popular, enfraquecendo-as enquanto instituição e tornando-as parecidas a ponto de não importar em qual legenda determinado político se encontra agora, ou qual o partido que está no poder.
Isso se mostra, inclusive, com a formação de coligações esdrúxulas, conseqüência inegável do desapego aos programas, e que tem sido ultimamente uma característica marcante dos partidos brasileiros.

4.3.4. Desvinculação aos interesses populares e caráter oligárquico
É notório que os partidos políticos brasileiros raramente nascem de um movimento popular organizado. A maioria, geralmente, surge: a) pela reorganização das forças políticas já existentes num contexto anterior (PMDB, PDS); b) pela dissidência (PSTU, PSDB); c) pela simples “mudança de sigla” (PP, antigo PPB, antigos PPR e PDS); d) pelo movimento, às vezes bem intencionado, de intelectuais e lideranças políticas, mas quase sempre dissociados das camadas populares (PPS, PCO, PCdoB). Não fica difícil notar que, assim, os partidos ficam perigosamente distantes do povo e dos interesses dele.
Tal situação é agravada (e muito!), pelo forte caráter oligárquico dos partidos. Na maioria deles, existem “caciques”, nacionais ou regionais, que “dão as cartas” no partido (às vezes ignorando até mesmo o estatuto, o programa e a ética), o que torna praticamente impossível a uma pessoa do povo obter real influência no partido.

4.3.5. Corrupção das instituições partidárias
Embora não possa ser considerada generalizada, a corrupção endêmica nas legendas brasileiras, com exemplos na direita, no centro e na esquerda, cria uma descrença ainda maior na instituição partido político, criando um estigma de que, no Brasil, partido político é lugar de interesseiro e corrupto.

4.3.6. Proliferação de pequenas legendas
Apesar do controle quantitativo instituído pela LOPP, visando a garantir o caráter de representatividade nacional e legitimidade dos partidos, assiste-se no Brasil a três fenômenos distintos, caracterizadores da proliferação de pequenas legendas desprovidas de influência real sobre o eleitorado: a) criação de “legendas pessoais”, partidos comandados por um “führer”, ou cacique único, que controla todas as decisões do partido de acordo com os próprios interesses, não possuindo, sequer, outro cacique para contestá-lo; b) surgimento de partidos que, de tão pequenos, são praticamente desconhecidos em algumas partes do país15; b) o aluguel de legendas, conseqüência mais grave dessa “vulgarização” dos partidos. Trata-se de legendas pequenas que aceitam corromper-se em troca de recursos e abrigar “candidatos-laranja”, lançados pelos grandes partidos apenas para desestabilizar os adversários.
É controverso, entretanto, esse problema, pois, se por um lado é inadmissível o aluguel de legendas, ao mesmo tempo é arriscado impedir a formação de partidos pequenos, tolhendo, assim, a articulação política das minorias. Partidos radicais de esquerda, como o PSTU e o PCO, bem como os extremistas de direita, são, posto que pequenos e frágeis nas disputas majoritárias, competitivos na eleição proporcional em vários pontos do Brasil. Excluí-los da disputa apenas pela pequenez seria prejudicial e, sobretudo, injusto.

4.3.7. Pequeno número de partidos de extrema direita e extrema esquerda
O Brasil é famoso por não possuir, atualmente, partidos extremistas à esquerda ou à direita, Se isso pode ser comemorado como um traço de ponderação, pode ser entendido, também, como marca de um povo pouco mobilizado politicamente (afinal, era de se esperar que em 110 milhões de eleitores houvesse alguns radicais de direita e de esquerda que decidissem fundar um partido).
É verdade que, como falamos, o controle ideológico instituído pela Constituição Federal impede a proliferação de partidos extremistas radicais; mas o texto da Lei Maior restringe, sem proibir. São proibidos os partidos que atentem contra o regime democrático (partidos comunistas revolucionários) ou que se utilizem de organizações paramilitares (a exemplo da Aliança Integralista Brasiliera), mas não são proibidos o comunismo ou o militarismo. Tanto que existem (poucos) exemplos de partidos extremistas atualmente: PSTU e o utópico PCO (esquerda) e o antigo militarista PRONA (direita), que depois se fundiu a outros partidos. O grande problema é que esses partidos são tão pequenos que não chegam a mobilizar as forças políticas para uma discussão.
Este o grande problema da ausência de partidos extremistas: o radicalismo desses partidos suscita discussões que mobilizam a sociedade para questionar a política. É a força nos extremos da balança que equilibra o fiel; os partidos extremistas, da mesma forma, dão a noção de centro, para onde parecem convergir todos os partidos brasileiros. Mas esse já é outro problema.
4.3.8. Instabilidade do ordenamento político-jurídico
Nem todos os problemas derivam, todavia, dos políticos ou dos próprios partidos; cumpre observar que, se não existe no Brasil um partido centenário, também não houve, desde 1934, uma Constituição que sobrevivesse ativamente sequer por 20 anos. A instabilidade política do Brasil, em que “surtos” democráticos se alternam entre períodos de ditadura, praticamente impede a consolidação de um partido forte ou o próprio crescimento da participação política do povo.

1 Apenas o registro no TSE garante ao partido a participação no processo eleitoral, o recebimento de recursos do Fundo Partidário e o acesso gratuito ao rádio e à televisão.
2 Lei Orgânica dos Partidos Políticos: Lei nº 9096, de 19 de setembro de 1995.
3BONAVIDES, Paulo. Ciência Política, p. 296. São Paulo: Malheiros, 2003.
4STF, Pleno, ADIn nº 1.351/DF, Relator Ministro Marco Aurélio, DJ de 30.03.2007, p. 68.
5 Entretanto, a lei estabelece normas que visam a incentivar a fidelidade partidária. Cf. LOPP, art.18.
6 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 356. São Paulo: Malheiros, 2007.
7 Os requisitos para um partido ser reconhecido como nacional, estudados há pouco, podem ser entendidos como um exemplo de controle quantitativo determinado pela LOPP.
8 O próprio Duverger afirma, entretanto, que “os modos de escrutínio não têm o papel propriamente de motor; são as realidades nacionais, as ideologias, e sobretudo as estruturas sócio-econômicas que têm, em geral, a ação mais decisiva a respeito”. DUVERGER, Maurice, apud SILVA, José Afonso da, op.cit.
9 FERREIRA FILHO, Manuel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional.
10 LEITÃO, Cláudia. A crise dos partidos políticos brasileiros. Essa brilhante tese de mestrado nos servirá de guia na maior parte do desenvolvimento deste tópico.
11 DUVERGER, Maurice. As modernas tecnodemocracias.
12 SWEEZY, Paul. Capitalismo moderno.
13 “O Afeganistão (...) foi posto em condições seguras não só para a democracia como também para a Union Oil of California (Unocal), cujo oleoduto proposto, ligando Turcomenistão a Afeganistão, Paquistão e ao porto de Karaschi fora abandonado durante o regime caótico do Talibã. Atualmente o projeto do oleoduto está deslanchando graças à ação da Junta [Dick Cheney – George Bush, cuja campanha foi financiada pela Unocal]”. VIDAL, Gore. Sonhando a guerra.
14 “Topoi é uma expressão de Aristóteles que significa pontos-de-vista utilizáveis e aceitáveis em toda parte, que se empregam a favor ou contra algo ou alguém e que podem conduzir à verdade. Kant condena a doutrina dos topoi ‘de que se podem servir os mestres de escola e os oradores para examinar, sob determinados títulos do pensar, o que melhor convém a uma matéria e fazer sutilezas sobre ela com a aparência de racionalidade ou tagarelar empoladamente”. LEITÃO, Cláudia., op.cit.
15 Num sistema político personalista como o brasileiro, a melhor maneira de uma legenda se tornar conhecida é lançando um candidato majoritário que a projete em âmbito nacional ou mesmo estadual (ver o exemplo de Enéas, que disputou a presidência em 1989, 1994 e 1998 pelo PRONA, obteve votação crescente e tornou o partido nacionalmente conhecido.

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