como o edital de Analista da Câmara prevê tópcios de Ciência Política, resolvi compilar alguns escritos antigos e partes de obras minhas que tratam sobre o tema, com um trabalho que elaborei, em conjunto com meus colegas Bruno França Amaro e Vinícius Centurión.
Espero que seja útil!
Bons estudos!
SISTEMA
PARTIDÁRIO BRASILEIRO – NOÇÕES
1. NATUREZA
JURÍDICA
Muito se tem
discutido sobre a natureza jurídica dos partidos. Para Virga, seriem
um misto de associação, por se constituírem em um grupo de pessoas
juridicamente vinculadas a um estatuto, e de órgão do Estado, pela
característica de grupo eleitoral e parlamentar. Em contraponto a
essa posição (compartilhada, no Brasil, por Fávila Ribeiro)
define-se Biscaretti di Ruffia, que vê nos partidos apenas o aspecto
de associações, apenas desempenhando a função de entidades
auxiliares do Estado, ou seja, apenas no exercício privado de
funções públicas.
Com o advento da
Constituição de 1988, toda essa discussão cai por terra, uma vez
que o texto constitucional é ao definir, no referido art. 17, § 2º,
que "os partidos políticos, após adquirirem personalidade
jurídica, na forma da lei civil, registrarão seus estatutos no
Tribunal Superior Eleitoral". Ora, se os partidos adquirem
personalidade jurídica de acordo com a lei civil, não podem
ser classificados de outra maneira, senão como pessoas jurídicas
de direito privado, regidas, no que couber, pelo Código Civil,
pelo Código Eleitoral e por outras leis (LOPP: Lei nº 9096/95).
Sendo pessoas
jurídicas de direito privado, é necessário, no ato da fundação
da agremiação, que se proceda à respectiva inscrição no Cartório
de Registro de Títulos e Documentos, para que, só então, seja
levado ao TSE o estatuto1.
2.
PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DOS PARTIDOS POLÍTICOS
2.1.
LIBERDADE PARTIDÁRIA
Conforme
se depreende do art. 17, caput,
da Constituição Federal, aos partidos é assegurada ampla e
irrestrita liberdade de criação, fusão, incorporação e extinção.
Além das liberdades conferidas à agremiação, cumpre ressaltar as
concedidas aos próprios membros desta, quais sejam: filiar-se e
permanecer filiado ao partido ou dele se desligar. Embora pareçam
direitos mínimos, básicos, é mister recordar os obscuros períodos
de ditadura vividos pelo Brasil, causa de constante temor no
constituinte que, saído de um período de terror, prefere pecar pelo
excesso de minúcia na enumeração dos direitos que pela abertura de
brechas, o que possibilitaria atitudes de nova violência à
democracia.
2.2.
CONDICIONAMENTOS À LIBERDADE PARTIDÁRIA
Da
mesma forma que condena e busca evitar os abusos do Estado sobre as
agremiações políticas e destas sobre os respectivos filiados, o
texto constitucional dispõe, ainda no caput do art. 17, sobre os
condicionamentos impostos à liberdade partidária.
Os
partidos políticos têm por obrigação resguardar: a soberania
nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo e os direitos
fundamentais da pessoa humana. Ou seja, não será registrado no TSE
o estatuto de partido que fira qualquer dos princípios fundamentais
elencados na Constituição Brasileira. Além disso, reputa-se
obrigatório ao partido o caráter nacional, diferentemente do
regionalismo partidário vigente em outras épocas da nossa história.
A
Lei Maior, entretanto, não define o que seja esse “caráter
nacional”; deixa a cargo da legislação ordinária regular as
exigências para reconhecer um partido como efetivamente nacional. De
acordo com a Lei Orgânica dos Partidos Políticos, o caráter
nacional é reconhecido ao partido que, no ato do registro no TSE,
comprovar “o
apoiamento de eleitores correspondente a, pelo menos, meio por cento
dos votos dados na última eleição geral para a Câmara dos
Deputados, não computados os votos em branco e os nulos,
distribuídos por um terço, ou mais, dos Estados, com um mínimo de
um décimo por cento do eleitorado que tenha votado em cada um
deles.”2.
Além disso, a mesma lei restringe o registro aos partidos com um
número de fundadores “nunca
inferior a cento e um, com domicílio eleitoral em, no mínimo, um
terço dos Estados”.
Há,
porém, uma questão interessante acerca do caráter nacional dos
partidos políticos: a cláusula de barreira, prevista na LOPP e
declarada inconstitucional pelo Supremo.
Trata-se
de mecanismo não desconhecido no Direito Comparado (Paulo Bonavides
registra a utilização na atual Alemanha3)
e que foi positivado no Brasil no art. 13 da Lei Orgânica dos
Partidos Políticos (LOPP – Lei nº 9.096/95), segundo o qual “Tem
direito a funcionamento parlamentar, em todas as Casas Legislativas
para as quais tenha elegido representante, o partido que, em cada
eleição para a Câmara dos Deputados obtenha o apoio de, no mínimo,
cinco por cento dos votos apurados, não computados os brancos e os
nulos, distribuídos em, pelo menos, um terço dos Estados, com um
mínimo de dois por cento do total de cada um deles”.
Cuida-se,
então, de condicionar o funcionamento parlamentar (participação em
comissões, recebimento de recursos do fundo partidário) ao
atingimento de um percentual mínimo (barreira) de votos pelos
candidatos do partido na eleição proporcional.
Tal
preceito foi aplicado nas eleições de 2006, o que levou partidos
tradicionais (PDT, PV, entre outros) a ficarem impedidos de exercer
plenamente as atividades parlamentares. A constitucionalidade dessa
medida já era objeto de duas Ações Diretas de
Inconstitucionalidade (ADIn nº 1.351-3 e 1.354-8), ambas de
relatoria do Ministro Marco Aurélio, as quais o STF julgou logo após
o pleito de 2006.
No
julgamento, o Pretório Excelso considerou inconstitucional tal
restrição à participação dos pequenos partidos, com base
principalmente no argumento de que o pluralismo político, fundamento
da República Federativa do Brasil (CF, art. 1º, V), determina
igualdade de condições e competição eleitoral entre partidos
grandes e pequenos, em prol da correta manifestação das idéias
democráticas.
O
acórdão restou assim ementado:
“PARTIDO
POLÍTICO - FUNCIONAMENTO PARLAMENTAR - PROPAGANDA PARTIDÁRIA
GRATUITA - FUNDO PARTIDÁRIO. Surge conflitante com a Constituição
Federal lei que, em face da gradação de votos obtidos por partido
político, afasta o funcionamento parlamentar e reduz,
substancialmente, o tempo de propaganda partidária gratuita e a
participação no rateio do Fundo Partidário.”4.
2.3.
DISCIPLINA E FIDELIDADE PARTIDÁRIAS
São
duas determinantes estatutárias, e não legais5.
Devem, portanto, estar claramente previstas no estatuto do partido,
inclusive as sanções em caso de não cumprimento por parte de
filiado.
A
disciplina partidária consiste no respeito às instituições e
diretrizes partidárias, ou seja: acatamento do estatuto e dos
objetivos do partido, cumprimento dos deveres partidários, probidade
no exercícios de mandatos e funções partidárias e aceitação das
decisões tomadas pela maioria dos filiados. Questão eminentemente
disciplinar é, também, a não observância às diretrizes
programáticas, fato que, juntamente com o já citado acatamento das
decisões legitimamente tomadas pelo diretório, foi objeto de
profundas discussões, ultimamente, em função da expulsão de
senadores, entre eles Heloísa Helena (AL) e Babá (PA), do Partido
dos Trabalhadores, sob pretexto de descumprimento das diretrizes
estabelecidas pelo partido.
Fidelidade
partidária é um tema controverso que, por causa disso, tem sido
posto à margem da prática política nacional (salvo raríssimas
exceções), seja por falta de compromisso ideológico com a legenda,
seja por arbitrariedade da executiva do partido.
Atendo-nos
mais aos caracteres jurídicos sobre a fidelidade partidária,
podemos perceber que esta é quebrada quando se dá: a) oposição,
por atitude ou voto, às diretrizes legitimamente estabelecidas pelo
partido; b) apoio ostensivo ou disfarçado a candidatos de outra
agremiação (resguardadas as coligações).
Ademais,
é interessante perceber que o estatuto do partido deve conter a
cominação de penalidade em caso de infidelidade partidária.
Interessante
perceber que a Constituição Federal não prevê, expressamente, a
perda do mandato para o titular que cometa infidelidade partidária
(art. 55). Não obstante essa falta de previsão, o Tribunal Superior
Eleitoral, respondendo consulta (1.398/DF, realizada pelo DEM),
entendeu que “os partidos políticos e as coligações partidárias
têm o direito de preservar a vaga obtida pelo sistema eleitoral
proporcional, se, não ocorrendo razão legítima que o justifique,
registrar-se ou o cancelamento de filiação partidária ou a
transferência para legenda diversa, do candidato eleito por outro
partido”. Tempos depois, o TSE editou resolução que prevê a
perda do mandato, ainda que se trate de cargo eleito pelo sistema
majoritário.
O
STF, instado a se manifestar sobre o assunto, entendeu “correta a
tese acolhida pelo TSE. Inicialmente, expôs-se sobre a
essencialidade dos partidos políticos no processo de poder e na
conformação do regime democrático, a importância do postulado da
fidelidade partidária, o alto significado das relações entre o
mandatário eleito e o cidadão que o escolhe, o caráter
eminentemente partidário do sistema proporcional e as relações de
recíproca dependência entre o eleitor, o partido político e o
representante eleito” (Informativo STF 482).
Em
suma: o Supremo Tribunal Federal entendeu que, como a filiação
partidária é condição de elegibilidade (CF, art. 14, §3º, V),
correta estaria a perda do mandato para aquele que, após a eleição,
mudar de partido sem plausível justificativa.
2.4.
CONTROLE EXTERNO
O
controle faz parte dos princípios que regem a atividade partidária.
Pode existir sob três formas básicas: o controle quantitativo, que
pressupõe, para o reconhecimento do partido, o cumprimento de certas
exigências formais (carta orgânica, programa, número mínimo de
fundadores); o controle qualitativo ou ideológico, que exige
“conformidade ideológica das postulações do partido com os fins
do Estado constitucional que o há de reconhecer”6;
por último, o controle financeiro, que garante a fiscalização, por
parte do poder público, das finanças do partido.
A
Constituição atual não estabelece explicitamente controle
quantitativo, deixando-o a cargo da legislação ordinária7.
A CF estipula, ao contrário, um forte controle qualitativo sobre os
partidos, o que já analisamos no tópico 3.2. deste mesmo capítulo.
Finalmente, o controle financeiro, pressuposto, entre outros, para o
partido receber os recursos do Fundo Partidário e Ter direito ao
horário eleitoral gratuito, vem normatizado tanto na Constituição
quanto na LOPP.
3.
CLASSIFICAÇÃO DOS PARTIDOS POLÍTICOS (TEXTO ELABORADO POR VINÍCIUS
CENTURIÓN E GENTILMENTE CEDIDO PARA FINS DIDÁTICOS)
Várias
classificações de partidos políticos surgiram, desde o século
XVIII até a atualidade. A distinção de partidos em partidos de
pessoas, que teriam por base sentimentos de amizade ou aversão,
quanto a pessoas, impelindo os adeptos ao combate político; e
partidos reais, que se fundam “em alguma diferença real de
sentimento ou interesse”, feita por Hume, é provavelmente a
mais antiga delas.
A classificação
seguinte foi a de Friedrich Rohmer, exposta em 1844, na
qual ele distingue quatro tipos fundamentais de partidos, cuja
natureza associa-se às fases do desenvolvimento humano. São eles:
a) o partido radical, com a alma das crianças; b) o partido liberal,
com a psicologia dos adolescentes; c) o partidos conservador,
associado ao espírito dos homens maduros; e d) o absolutista, com o
caráter da velhice.
Cifrando
a realidade partidária em duas formas básicas, Weber
classifica os partidos políticos em: partidos de patronagem e
partidos ideológicos. O primeiro tem por principal objetivo galgar o
poder a fim de conquistar posições de mando para os seus dirigentes
e vantagens materiais para sua clientela. O segundo busca a
realização de ideais de conteúdo político, propondo-se por vezes
a reformar e transformar toda a ordem existente.
O publicista francês
Burdeau distingue os partidos políticos em duas modalidades:
partidos de opinião e partidos de massas. Quanto aos partidos de
opinião, Burdeau admite quatro situações para tal
classificação: a admissão de pessoas da mais variada origem social
em seus quadros; a adesão à ordem social existente, quer pelo
programa, quer pela ação; quando dispuser de um fraco poder de
pressão sobre os respectivos componentes; e quando patenteiam sua
índole individualista através do lugar concedido às personalidades
políticas.
Contrapondo-se aos
primeiros, os partidos de massas representam os interesses e não
opiniões, de grupos ou classes, não de indivíduos ou
personalidades, de homens impulsionados pelo inconformismo com a
ordem existente. Agrupando os filiados, que abdicam sua autonomia em
proveito do grupo, segundo critérios econômicos, origem material ou
destinação material das aspirações igualitárias.
Nawiasky viu a
necessidade de classificar, ainda, os partidos políticos de acordo
com o conformismo ou descontentamento em relação à ordem
estabelecida, em partidos de movimento, que buscam alterações
básicas no sistema institucional vigente; e partidos da
conservação,que se concentram na resistência às mudanças
propostas, com referência às instituições, sendo estes últimos
os partidos da ordem e da tradição.
3.1. Os sistemas
de partidos
Em todo Estado
partidário contemporâneo o sistema de partidos engloba, não só o
número de partidos existente, mas também suas estruturas internas,
ideologias, as relações que mantêm entre si, bem como o papel
representado pela oposição.
Considerado elemento
essencial das instituições políticas por alguns, o sistema de
partidos possui notória importância, correlacionando-se fortemente
com o regime político do Estado. Assim, sistemas pluralistas de
partidos correspondem, em regra, às democracias liberais; enquanto o
sistema de partido único, aos regimes autoritários, vale salientar,
ainda, que certos autores atribuem a eles um sistema sem partidos,
por não identificarem no partido único, os atributos próprios de
entes dessa natureza.
O Estado partidário
contemporâneo adota três sistemas principais de partidos: o
bipartidário, o multipartidário e o partido único.
3.1.1. O
bipartidarismo
Os sistemas
bipartidários são aqueles em que se evidencia dois partidos que
podem ter forças quase equivalentes, alternando-se no poder, o que
constituiria um bipartidarismo autêntico; ou, esse sistema pode
ostentar um partido dominante que se encontra quase permanentemente
no poder, e outro quase sempre na oposição.
Seria equivocado
supor que o sistema bipartidário significa literalmente a existência
apenas de dois partidos. É possível que vários partidos concorram
às urnas, entretanto, apenas dois partidos reuniriam de maneira
permanente a possibilidade de chegar ao poder; é um exemplo o caso
dos Estados Unidos e sua rigidez bipartidária, com os partidos
conservadores e republicanos.
Vale ressaltar que,
nesse sistema, o partido vencedor normalmente dispõe da maioria
absoluta dos votos, o que lhe permite exercer o poder sem necessidade
de coligações; ou seja, tal sistema privilegia a vontade da
maioria, sendo, por isso, também chamado de sistema de
parlamentarismo majoritário ou de democracia direta. A maioria
remanesce homogênea e em condições de exercer seguramente o poder,
obedecendo, assim, à vontade expressa dos cidadãos.
3.1.2. O
multipartidarismo
São os sistemas de
partidos que apresentam três ou mais partidos políticos na disputa
do poder. Seus propugnadores louvam-no por representar o pensamento
de variadas correntes de opinião, emprestando às minorias políticas
o peso de uma influência, que em outros sistemas, não existiria.
Diferentemente do
sistema bipartidário, o partido vitorioso nas eleições, quase
sempre, não detém a maioria do Parlamento. O sistema
multipartidário caracteriza-se por um jogo de negociações e
tendências de aglutinação de dois ou mais partidos que venham a
possibilitar o exercício do governo. Considerado diversas vezes o
sistema mais democrático, o multipartidarismo apresenta certas
desvantagens, já que aumenta os poderes dos representantes do povo,
na medida em que é o livre jogo das coligações por eles levadas a
efeito que vai determinar a formação da maioria parlamentar, o que
não ocorre no bipartidarismo. O caráter, muitas vezes, instável
das coligações prejudica gravemente os governos, tanto no
presidencialismo quanto no parlamentarismo, pois, no primeiro, o
esfacelamento partidário leva à inevitável fraqueza do órgão
legislativo, que pode mais facilmente ser atingido nas suas
imunidades, privilégios e competências; e no segundo, rompidas as
coligações, caem os governos.
3.1.3. O partido
único
Temos,
historicamente, o partido único como instrumento máximo de
conservação do poder em regimes autoritários, como as ditaduras do
século XX, com raras exceções, sufocando o pluralismo político
pela interdição ideológica. Ou seja, são de parecer, os partidos
únicos, que a originalidade consiste no apoio que proporcionam à
ditadura, da qual se convertem em sustentáculo.
Alguns publicistas,
fazendo exceção ao postulado no qual se afirma que os partidos
únicos surgem no instante em que se faz impossível a manutenção
da democracia, admitem o caráter potencialmente democrático de
determinadas ordens políticas, nas quais o partido único tem
caráter meramente provisório, até que se consolide um sistema de
instituições novas produzidas pela revolução.
A função do
partido, nesse sistema, é diferente daquela que ele possui no
pluralismo democrático. A eleição configura-se secundária,
destituída já do caráter competitivo, sem o diálogo das opiniões
contraditórias. Mas nem por isso deixa de desempenhar um papel de
suma importância, visto que lhe cabe manter o contato entre o
governo e as massas populares, constituir as elites do poder e
sustentar a propaganda oficial do regime.
Ao analisarmos as
palavras de Croce, “o sonho do partido político único, por mais
bem intencionado e honesto, tem o inconveniente de se referir a algo
que não é nem partido nem político”, percebemos que o autor
chama a atenção para a incompatibilidade entre a noção e parte ou
partido e a de todo, por conseqüência, para a indeclinável
obrigação de “não identificar-se (sic) o partido com o conjunto,
o povo e o Estado1”, ao afirmar que o partido único não
seria partido.
3.2. Sistemas de
partidos e sistemas eleitorais
As correlações que
se podem estabelecer entre os sistemas de partidos e os eleitorais
estão formalizadas, por Maurice Duverger, em algumas leis
tendenciais; embora, de certa forma, o que se evidencia é uma
inclinação para que os sistemas partidários ganhem uma conformação
específica em função do sistema eleitoral adotado.
Diz Duverger, na
primeira dessas leis, que o sistema majoritário de um só turno
tende ao bipartidarismo, visto que estas eleições, que se contentam
com a maioria relativa para que dela se extraia o vencedor do pleito,
tornam absolutamente inúteis os partidos de pouca expressão
eleitoral
A segunda atribui o
multipartidarismo ao sistema proporcional, que poderia dificultar as
alianças entre os partidos. O sistema proporcional reflete as
diversas variantes das correntes políticas de um país, ainda
inexpressivas, levando-as para o seio do poder legislativo e as
transformam em peças relevantes para o funcionamento do governo.
Logo, os grupos eleitorais de menor expressão não se sentem
forçados a fundir-se a outros.
Por
fim, dita a terceira lei que o sistema majoritário de dois turnos
conduz ao multipartidarismo, mas tão-somente no primeiro escrutínio.
Pois tal sistema consiste em exigir a maioria absoluta para a eleição
do vencedor; não sendo essa obtida no primeiro escrutínio,
realiza-se um segundo, do qual só participam os candidatos mais
votados no primeiro. O que passa a ocorrer, então, é um jogo de
coligações em que os partidos menos votados são levados a apoiar
um dos dois mais sufragados, segundo as afinidades políticas que
nutram8.
4.
CRISE DOS PARTIDOS POLÍTICOS
4.1.
Considerações iniciais e antecedentes
Não
é de hoje que se registra a crise do partido político no Brasil.
Desde os primórdios da vida partidária brasileira, no Segundo
Império, sátiras já observavam, no Partido Liberal e no
Conservador, um só partido. Manoel Gonçalves Ferreira Filho aponta,
inclusive, que “traço inegável do caráter nacional brasileiro é
a falta de inclinação para a vida cívica e associativa”9.
4.2. A crise
mundial na representação política
“A representação
política e sua atual crise não é um fenômeno somente nacional”10,
segundo Cláudia Leitão. Baseando-nos nessa afirmativa,
analisaremos, primeiramente, a crise da representação política
mundial para, a
posteriori,
atermo-nos à análise do quadro brasileiro.
Depois da queda do
Estado Liberal e dos desdobramentos econômicos da Revolução
Industrial, desenha-se um novo quadro socioeconômico denominado
pelos cientistas políticos de tecnodemocracia,
que, para Duverger, está “baseada nas grandes empresas de direção
coletiva, que planificam suas atividades e impõem seus produtos pela
publicidade à ‘mass media’. (…) as administrações públicas
e as firmas privadas adotam estruturas análogas: tornam-se grandes
organizações, complexas, hierarquizadas, racionalizadas”11.
Outra
característica importante da tecnodemocaracia é que ela reflete a
nova necessidade do capital monopolista: a existência de um Estado
forte, intervencionista, que “equilibre” a economia de forma tal
a permitir aos monopolistas o melhor desempenho possível de seus
investimentos. Para garantir o cumprimento de tais metas, o “grande
capital” (integrado ao imaginário popular quase como um
bicho-papão personificado na figura de máquinas falantes) busca,
cada vez mais, dominar o poder político; não de forma direta, mas
indiretamente, através da influência decisiva nos processos
políticos. Paul Sweezy, analisando o imperialismo, chega a afirmar
que “com o fortalecimento dos laços de classe e o aguçamento dos
conflitos de classe, o parlamento tornou-se um campo de batalha para
os interesses divergentes de grupos e de classes”12.
Quais seriam,
então, os instrumentos utilizados pela oligarquia econômica para
dominar o poder político? Citaremos os dois principais:
a) O financiamento
de campanhas eleitorais, que, seja em países ricos (ver o exemplo
dos EUA na última eleição presidencial)13
ou em nações pobres, é a mais clara ferramenta de controle dos
políticos por parte dos capitalistas. Ao doar fundos polpudos para
as campanhas eleitorais, as grandes corporações criam um vínculo,
quase um compromisso de reciprocidade, que obriga o candidato
vencedor a lhes prestar favores, na maioria das vezes de forma escusa
e encoberta, o que contribui, cada vez mais, para a eleição de
políticos corruptos e, mais ainda, para o descrédito geral nos
representantes eleitos (por tabela, nos políticos em geral).
b) Monopólio dos
meios de comunicação: assim como impõem seus produtos através da
grande mídia, fica fácil para as corporações monopolistas:1.
impor seus candidatos ou idéias políticas, fazendo-os massificados
e “queridos” pela população; ou 2. estimular, por meio dos
diversos veículos de comunicação, o desprezo pela classe política
e pela própria representação democrática, o que torna a população
menos atenta às manobras políticas escusas e mais tolerante, ou
indiferente, à corrupção. Dessa maneira, o fenômeno de
desinteresse pela política não é, na maior parte, uma
característica cultural deste ou daquele povo, mas uma conseqüência
previsível do controle da mídia exercido pelo capital monopolista.
Finalmente, é de
se observar que no novo contexto pós-industrial, as grandes empresas
controlam praticamente toda a vida política, diretamente,
corrompendo e coagindo os políticos eleitos, ou indiretamente,
através do condicionamento da própria massa de eleitores, que,
indiferentes aos desdobramentos da vida política, votam “por
votar”, contribuindo sobremaneira para a perpetuação no poder das
vontades políticas dominantes, apesar das mudanças de rostos e
personalidades.
4.3. Partido
Político brasileiro: contexto específico da crise
Existem, a
despeito do que foi afirmado, características específicas à
organização partidária brasileira que conferem uma nota
diferenciadora da nossa situação em relação à crise mundial do
Partido político: são questões que se inserem no quadro
sócio-político específico do Brasil, e merecem, portanto, uma
análise mais aprofundada.
4.3.1.
Institucionalização recente dos partidos
Somente a partir de
1934 o tema partidário foi abordado em um texto constitucional
brasileiro (mesmo assim, de forma difusa e desordenada), e aguardamos
até 1967 para que os partidos políticos formassem um capítulo à
parte na Constituição.
O caráter recente
dessa institucionalização pode explicar a fraqueza dos partidos
políticos no Brasil, os quais, ainda fracos como instituição,
assemelham-se mais a grupos organizados de políticos que a
agremiações sólidas de reforço da democracia.
4.3.2. Falta de
tradição política
É inegável
a falta de tradição política do povo brasileiro, que, quase sempre
alijado do direito à cidadania, ainda não está bem acostumado à
realidade democrática forjada com base no regime democrático.
Apenas em 1891 foi
extinto o sufrágio censitário, e só em 1934 as mulheres adquiriram
o direito de votar. Essa falta de tradição da participação
popular na vida política, aliada à já referida recente
institucionalização dos partidos, gera graves distorções do
regime partidário, principalmente: a) personalismo crônico, pois
o brasileiro ainda vota quase que exclusivamente no candidato,
esquecendo da legenda e da ideologia a ela subjacente; b)
desinteresse pela política, inegavelmente causado, entre outros
fatores, pela ignorância popular em relação aos próprios trâmites
tanto do processo eleitoral quanto da atuação dos representantes
eleitos; c) desvalorização do voto, talvez o maior problema
da representação política nacional na atualidade, agravado no
momento em que se vende o voto.
4.3.3. Fraqueza
ideológica dos partidos
Quando
da análise dos programas partidários, deparamo-nos, quase sempre,
com o emprego desmedido de vocábulos como “democracia”,
“nacionalismo”, “trabalho”, “dignidade”, os quais,
perdidos em um contexto ideológico pouco definido, funcionam como
“topoi”14,
palavras-chave que pouco dizem, mas são por todos aceitas. Tal fato,
agravado pela infidelidade partidária e pelo casuísmo das legendas,
retira das agremiações partidárias legitimidade para funcionar
como verdadeiros canais de representação popular, enfraquecendo-as
enquanto instituição e tornando-as parecidas a ponto de não
importar em qual legenda determinado político se encontra agora, ou
qual o partido que está no poder.
Isso se mostra,
inclusive, com a formação de coligações esdrúxulas,
conseqüência inegável do
desapego aos programas, e que tem sido ultimamente uma característica
marcante dos partidos brasileiros.
4.3.4.
Desvinculação aos interesses populares e caráter oligárquico
É notório que os
partidos políticos brasileiros raramente nascem de um movimento
popular organizado. A maioria, geralmente, surge: a) pela
reorganização das forças políticas já existentes num contexto
anterior (PMDB, PDS); b) pela dissidência (PSTU, PSDB); c) pela
simples “mudança de sigla” (PP, antigo PPB, antigos PPR e PDS);
d) pelo movimento, às vezes bem intencionado, de intelectuais e
lideranças políticas, mas quase sempre dissociados das camadas
populares (PPS, PCO, PCdoB). Não fica difícil notar que, assim, os
partidos ficam perigosamente distantes do povo e dos interesses dele.
Tal situação é
agravada (e muito!), pelo forte caráter oligárquico dos partidos.
Na maioria deles, existem “caciques”, nacionais ou regionais, que
“dão as cartas” no partido (às vezes ignorando até mesmo o
estatuto, o programa e a ética), o que torna praticamente impossível
a uma pessoa do povo obter real influência no partido.
4.3.5. Corrupção
das instituições partidárias
Embora não possa
ser considerada generalizada, a corrupção endêmica nas legendas
brasileiras, com exemplos na direita, no centro e na esquerda, cria
uma descrença ainda maior na instituição partido político,
criando um estigma de que, no Brasil, partido político é lugar de
interesseiro e corrupto.
4.3.6.
Proliferação de pequenas legendas
Apesar do controle
quantitativo instituído pela LOPP, visando a garantir o caráter de
representatividade nacional e legitimidade dos partidos, assiste-se
no Brasil a três fenômenos distintos, caracterizadores da
proliferação de pequenas legendas desprovidas de influência real
sobre o eleitorado: a) criação de “legendas pessoais”, partidos
comandados por um “führer”, ou cacique único, que controla
todas as decisões do partido de acordo com os próprios interesses,
não possuindo, sequer, outro cacique para contestá-lo; b)
surgimento de partidos que, de tão pequenos, são praticamente
desconhecidos em algumas partes do país15;
b) o aluguel de legendas, conseqüência mais grave dessa
“vulgarização” dos partidos. Trata-se de legendas pequenas que
aceitam corromper-se em troca de recursos e abrigar
“candidatos-laranja”, lançados pelos grandes partidos apenas
para desestabilizar os adversários.
É controverso,
entretanto, esse problema, pois, se por um lado é inadmissível o
aluguel de legendas, ao mesmo tempo é arriscado impedir a formação
de partidos pequenos, tolhendo, assim, a articulação política das
minorias. Partidos radicais de esquerda, como o PSTU e o PCO, bem
como os extremistas de direita, são, posto que pequenos e frágeis
nas disputas majoritárias, competitivos na eleição proporcional em
vários pontos do Brasil. Excluí-los da disputa apenas pela pequenez
seria prejudicial e, sobretudo, injusto.
4.3.7. Pequeno
número de partidos de extrema direita e extrema esquerda
O Brasil é
famoso por não possuir, atualmente, partidos extremistas à esquerda
ou à direita, Se isso pode ser comemorado como um traço de
ponderação, pode ser entendido, também, como marca de um povo
pouco mobilizado politicamente (afinal, era de se esperar que em 110
milhões de eleitores houvesse alguns radicais de direita e de
esquerda que decidissem fundar um partido).
É verdade que,
como falamos, o controle ideológico instituído pela Constituição
Federal impede a proliferação de partidos extremistas radicais; mas
o texto da Lei Maior restringe, sem proibir. São proibidos os
partidos que atentem contra o regime democrático (partidos
comunistas revolucionários) ou que se utilizem de organizações
paramilitares (a exemplo da Aliança Integralista Brasiliera), mas
não são proibidos o comunismo ou o militarismo. Tanto que existem
(poucos) exemplos de partidos extremistas atualmente: PSTU e o
utópico PCO (esquerda) e o antigo militarista PRONA (direita), que
depois se fundiu a outros partidos. O grande problema é que esses
partidos são tão pequenos que não chegam a mobilizar as forças
políticas para uma discussão.
Este o grande
problema da ausência de partidos extremistas: o radicalismo desses
partidos suscita discussões que mobilizam a sociedade para
questionar a política. É a força nos extremos da balança que
equilibra o fiel; os partidos extremistas, da mesma forma, dão a
noção de centro, para onde parecem convergir todos os partidos
brasileiros. Mas esse já é outro problema.
4.3.8.
Instabilidade do ordenamento político-jurídico
Nem
todos os problemas derivam, todavia, dos políticos ou dos próprios
partidos; cumpre observar que, se não existe no Brasil um partido
centenário, também não houve, desde 1934, uma Constituição que
sobrevivesse ativamente sequer por 20 anos. A instabilidade política
do Brasil, em que “surtos” democráticos se alternam entre
períodos de ditadura, praticamente impede a consolidação de um
partido forte ou o próprio crescimento da participação política
do povo.
1
Apenas o registro no TSE garante ao partido a participação no
processo eleitoral, o recebimento de recursos do Fundo Partidário e
o acesso gratuito ao rádio e à televisão.
2
Lei Orgânica dos Partidos Políticos: Lei nº 9096, de 19 de
setembro de 1995.
3BONAVIDES,
Paulo. Ciência Política, p.
296. São Paulo: Malheiros, 2003.
4STF,
Pleno, ADIn nº 1.351/DF, Relator Ministro Marco Aurélio, DJ de
30.03.2007, p. 68.
5
Entretanto, a lei estabelece normas que visam a incentivar a
fidelidade partidária. Cf. LOPP, art.18.
6
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo,
p. 356. São Paulo: Malheiros,
2007.
7
Os requisitos para um partido ser reconhecido como nacional,
estudados há pouco, podem ser entendidos como um exemplo de
controle quantitativo determinado pela LOPP.
8
O próprio Duverger afirma, entretanto, que “os modos de
escrutínio não têm o papel propriamente de motor; são as
realidades nacionais, as ideologias, e sobretudo as estruturas
sócio-econômicas que têm, em geral, a ação mais decisiva a
respeito”. DUVERGER, Maurice, apud SILVA, José Afonso da,
op.cit.
9
FERREIRA FILHO, Manuel Gonçalves. Curso de Direito
Constitucional.
10
LEITÃO, Cláudia. A crise dos partidos políticos brasileiros.
Essa brilhante tese de mestrado nos servirá de guia na maior parte
do desenvolvimento deste tópico.
11
DUVERGER, Maurice. As modernas tecnodemocracias.
12
SWEEZY, Paul. Capitalismo moderno.
13
“O Afeganistão (...) foi posto em condições seguras não só
para a democracia como também para a Union Oil of California
(Unocal), cujo oleoduto proposto, ligando Turcomenistão a
Afeganistão, Paquistão e ao porto de Karaschi fora abandonado
durante o regime caótico do Talibã. Atualmente o projeto do
oleoduto está deslanchando graças à ação da Junta [Dick Cheney
– George Bush, cuja campanha foi financiada pela Unocal]”.
VIDAL, Gore. Sonhando a guerra.
14
“Topoi é uma expressão de Aristóteles que significa
pontos-de-vista utilizáveis e aceitáveis em toda parte, que se
empregam a favor ou contra algo ou alguém e que podem conduzir à
verdade. Kant condena a doutrina dos topoi ‘de que se podem servir
os mestres de escola e os oradores para examinar, sob determinados
títulos do pensar, o que melhor convém a uma matéria e fazer
sutilezas sobre ela com a aparência de racionalidade ou tagarelar
empoladamente”. LEITÃO, Cláudia., op.cit.
15
Num sistema político personalista como o brasileiro, a melhor
maneira de uma legenda se tornar conhecida é lançando um candidato
majoritário que a projete em âmbito nacional ou mesmo estadual
(ver o exemplo de Enéas, que disputou a presidência em 1989, 1994
e 1998 pelo PRONA, obteve votação crescente e tornou o partido
nacionalmente conhecido.
Como sempre vc pronto pra nos ajudar, obrigada!!!
ResponderExcluirVlw, professor, muito bom! Muito obrigado
ResponderExcluir:)
ResponderExcluirProfessor, vc é demais!!! Obrigadão
ResponderExcluirObrigada:)
ResponderExcluirPerfeito!!! Professor, vc sugere algum tema de redação??
ResponderExcluirNossa! Muito bom o conteúdo desse blog, me ajudou bastante! Valeu!
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