segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Poder Constituinte Originário

Meus Caros,
espero que tenham gostado do último post, sobre Hermenêutica Constitucional.
Na esteira de nossos estudos sobre Teoria da Constituição, posto agora material teórico sobre o Poder Constituinte Originário.
Bons estudos e perseverança!


PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO

O poder constituinte originário pode ser definido como o poder que cria uma nova Constituição, o poder que “constitui a Constituição”. É o poder que põe em vigor uma nova Constituição, seja de maneira propriamente originária (primeira Constituição de um país), seja derrubando o ordenamento constitucional anterior para instituir uma nova Constituição.
Tal poder é de manifestação episódica, espasmódica, em momentos de revolução ou ruptura institucional. O poder Constituinte Originário é o verdadeiro “big-bang” jurídico: antes dele, o nada, o caos; depois dele, o cosmos, a ordem jurídica.

1. Titularidade

De acordo com a doutrina, o titular do poder constituinte originário é o povo (e não da nação, como na teoria de Siyès). Como afirma a nossa Constituição, no parágrafo único do art. 1º: “Todo o poder emana do povo (...)”.
“Povo”, porém, é um conceito jurídico complexo, que abrange não só os atuais viventes, mas também as tradições e valores das gerações passadas e a preocupação com as gerações futuras (é o conjunto dos nacionais, vivos, mortos ou por nascer).
Interessante notar que a titularidade do poder originário é do povo, mas nem sempre será por ele exercido. Assim, nas constituições promulgadas, o povo é o titular do poder constituinte originário, e o exerce, de forma indireta, por meio de representantes eleitos em Assembleia Constituinte. Porém, nas constituições outorgadas, o poder será exercido por um ditador, que impõe a Constituição. Todavia, presume-se que o povo aceita passivamente esse domínio, de forma que continua sendo o titular do poder constituinte originário, ainda que não o exerça. O ditador seria apenas um usurpador do exercício de tal poder.

2. Características do poder constituinte originário

2.1. Inicial

Diz-se que o poder constituinte originário é inicial porque institui um novo ordenamento jurídico, uma nova Constituição, derrubando o ordenamento anterior. Em outras palavras: o poder originário cria um novo ordenamento jurídico a partir do zero. Derruba todas as normas jurídicas que eventualmente existam antes dele, e recria um novo sistema jurídico.
Quando se cria uma nova Constituição (manifestação do poder constituinte originário), a nova norma fundamental revoga (=derruba) a Constituição anterior. Como esta (a Constituição) é a base do ordenamento jurídico, na verdade a nova Lei Fundamental termina por retirar a validade e vigência de todo o ordenamento jurídico anterior a ela.
Justamente por isso, não se pode invocar contra o poder constituinte originário direito adquirido.
Na verdade, como veremos, algumas normas do ordenamento anterior são aproveitadas, por meio do fenômeno da recepção.

2.2. Autônomo

O poder constituinte originário define livremente o conteúdo das normas da nova da Constituição; trata-se de uma característica ligada ao aspecto material, de conteúdo – o constituinte originário pode dispor livremente sobre o CONTEÚDO da nova Constituição.
Assim, por exemplo, uma nova Constituição poderia prever a instituição da pena de morte para todos os crimes, estabelecer a forma de governo monárquica etc.

2.3. Incondicionado

O poder originário é qualificado como incondicionado porque não se submete às normas e condições do ordenamento anterior; trata-se de uma característica ligada à forma – o constituinte originário pode aprovar a nova Constituição da FORMA que quiser.
Por exemplo: a nossa atual Constituição exige o quórum de 3/5 para a aprovação de qualquer modificação (art. 60, § 2º). Entretanto, se houvesse uma revolução no Brasil, e o povo resolvesse promulgar uma nova Constituição, poderia escolher aprová-la por maioria absoluta, ou qualquer outro quórum, pois não está submetido às formalidades (=procedimentos) previstos na Constituição anterior.

2.4. Juridicamente ilimitado

Até por uma questão de lógica jurídica, o poder constituinte originário é considerado ilimitado, em termos jurídicos. Veja-se: o poder originário cria a norma jurídica de mais alta hierarquia (a Constituição); logo, não há nenhuma norma jurídica à qual ele deva obediência. Assim, em termos estritamente jurídicos, o poder constituinte originário pode tudo, é absolutamente ilimitado.
Por exemplo: se a Constituição desejar, pode extinguir cargos públicos, desfazer atos jurídicos já praticados, desrespeitar direitos adquiridos. Não há nenhuma norma de direito que proíba o poder constituinte originário de adotar tais providências.
Está claro que o poder constituinte originário pode sofrer limitações de ordem social, histórica, política, mas em termos jurídicos não há qualquer limitação – como atesta a jurisprudência do STF; na célebre frase americana, o poder constituinte originário pode tudo, só não pode transformar o homem em mulher e viceversa.

2.5. Permanente

Parte da doutrina cita também que o Poder Constituinte Originário é PERMANENTE, pois pode manifestar-se a qualquer tempo. O Poder Constituinte Originário pode ser considerado um vulcão: manifesta-se e se mantém inativo, mas permanentemente em possibilidade de voltar a irromper1.

3. Efeitos do poder constituinte originário (consequências da entrada em vigor de uma nova Constituição)

Sempre que entra em vigor uma nova Constituição, suscitam-se algumas questões práticas relevantes, relativas à manutenção ou não das normas do ordenamento anterior.

3.1. Desconstitucionalização

A desconstitucionalização pode ser entendida como a automática manutenção em vigor das disposições da Constituição antiga (naquilo que não conflitassem com a nova Constituição), só que não mais com o status de normas constitucionais, mas como simples leis ordinárias. Dessa maneira, as normas da Constituição anterior que fossem compatíveis com a nova Carta permaneceriam em vigor, só que com força de meras leis (isto é, perdendo a força de norma constitucional, daí o nome de desconstitucionalização).
Tal efeito é rejeitado pela imensa maioria da doutrina brasileira, que a admite apenas quando
expressamente referida pela nova Constituição. Afinal de contas, se foi instituída uma nova Constituição, é porque (presume-se) não se desejam mais as disposições da carta anterior.
Vejamos a explicação extremamente didática oferecida por Juliano Taveira Bernardes:

“[A desconstitucionalização] É o instituto pelo qual normas formalmente constitucionais do regime anterior, embora perdendo o caráter hierarquicamente superior, continuam a vigorar como legislação infraconstitucional sob a égide de uma nova Constituição. Significa a recepção, pela Constituição superveniente, como leis ordinárias, de disposições da Constituição revogada, que lhe sejam compatíveis. Posição admitida, v.g., por Ferreira Filho, Pontes de Miranda e Raul Machado Horta.
José Afonso da Silva, em atualização a seu Aplicabilidade das Normas Constitucionais, hoje entende que a não-reprodução, pela Constituição superveniente, de determinadas normas, não essencialmente constitucionais, significaria que ‘a nova ordem constitucional as quis desqualificar, não apenas como normas, mas também como normas jurídicas vigentes’.
Para Celso Bastos, ‘se o poder constituinte teve êxito em substituir a ordem constitucional anterior é porque colocou em seu lugar uma nova ordem constitucional. Nada da Constituição anterior sobrevive’.
De fato, a substituição de um regime constitucional se dá por completo, não cabendo investigar se suas normas apenas formalmente constitucionais foram ou não mantidas pela nova Constituição. A entrada em vigor da nova ordem constitucional altera totalmente o fundamento de validade do ordenamento jurídico pretérito, revogando por inteiro a Constituição anterior, razão pela qual não se pode enxergar na omissão da Constituição superveniente o desejo de manter parcialmente operantes alguns dos dispositivos da Carta anterior, ainda que não haja incompatibilidade material.
No entanto, não existem empecilhos a que o Constituinte acate a tese da desconstitucionalização, desde que o faça por intermédio de dispositivo expresso, para que não deixe dúvidas quanto ao desejo de assim proceder. Nesse sentido: Michel Temer, valendo-se de lição de Celso Ribeiro Bastos, e Luís Roberto Barroso”2.

3.2. Repristinação

Em linguagem comum, poderíamos afirmar que a repristinação é a “ressurreição” de uma norma jurídica que já estava revogada. Em termos técnicos, afirmamos que é a volta do vigor da lei revogada pela revogação da lei revogadora.
Hipoteticamente: a Lei A foi revogada pela Lei B; a repristinação ocorreria se a revogação da Lei B por uma Lei C fizesse com que a Lei A retomasse o vigor, “renascesse”.
A repristinação é aceita no Direito brasileiro, desde que seja expressa; é dizer, não se aceita a repristinação tácita. Só se a Lei C expressamente previr a repristinação da Lei A é que esta
voltará a vigorar. Nesse sentido, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (antigamente chamada de “Lei de Introdução ao Código Civil” – DL 4.657/42) prevê, no art. 2º, §3º, que “Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência”.
O mesmo fenômeno pode ocorrer com uma Constituição. Se a CF/88 quisesse, poderia ter ressuscitado (repristinado) dispositivos da Constituição de 1946, por exemplo, mas desde que houvesse previsão expressa nesse sentido. É preciso lembrar com Maria Helena Diniz, que “em qualquer hipótese, porém, a repristinação, quando permitida, só terá efeitos ex nunc”3, isto é, valerá daquele momento em diante, e não de forma retroativa4.

3.3. Recepção

O surgimento de uma nova Constituição revoga a Constituição anterior. Com isso, o antigo ordenamento fica “acéfalo”, e todas as normas infraconstitucionais que o compunham perdem o fundamento de validade (a compatibilidade vertical com a Constituição) e deixam de valer.
Porém, é muito difícil crer que fosse possível, a cada nova Constituição, refazer todo o ordenamento jurídico (elaborar um novo Código Penal, um novo Código Civil etc.). Por isso – por motivos pragmáticos, de ordem prática, ressalta Kelsen – se reconhece o fenômeno da recepção, por meio do qual continuam a valer (são recepcionadas) as normas INFRACONSTITUCIONAIS do ordenamento anterior E que forem compatíveis com a NOVA Constituição.
Na verdade, como bem ressalta Kelsen, não é que as normas continuem a valer, mas sim que elas adquirem um novo fundamento de validade (a nova Constituição)5.
Essa é a lição que se colhe da obra de Juliano Taveira Bernardes:

“Ao substituir a ordem constitucional anterior, o Poder Constituinte originário institui novo fundamento de validade do ordenamento jurídico. Porém, a legislatura ordinária não possui condições de reeditar, de plano, todo o arcabouço normativo infraconstitucional anterior. Nada obstante, nem todo corpo de atos normativos anteriores é contrário aos postulados da nova Constituição. Daí, com fundamento no princípio da continuidade e em razões de segurança jurídica, aceita-se a teoria da recepção do direito positivo anterior, desde que haja compatibilidade material com o mais recente Texto Constituional”6.
Ainda sobre a recepção, é preciso anotar que se cuida de um fenômeno intrinsecamente ligado ao conteúdo: não importa a forma por meio da qual a norma surgiu, mas sim o conteúdo; a forma será adequada à nova Constituição.
Assim, por exemplo, o Código Penal foi instituído por um Decreto-Lei, instrumento normativo que não mais existe; porém, o que for compatível com a CF/88 é recepcionado com força de lei ordinária.
Da mesma forma, o Código Tributário Nacional foi aprovado – antes da CF de 1988 – como lei ordinária; como a nova Constituição passou a exigir lei COMPLEMENTAR para regulamentar a matéria, o CTN foi recepcionado, mas com força de lei COMPLEMENTAR (tanto que só pode ser alterado por outra lei complementar7).
Assim, pode-se dizer que “é irrelevante à nova ordem constitucional qual tenha sido o processo de formação dos atos normativos anteriores, importando apenas que seu conteúdo esteja em conformidade (...). A compatibilidade necessária à recepção atém-se apenas ao aspecto material, não sendo importante a adequação formal do preceito recepcionado8.
Resta, porém, ainda uma pergunta: E o que acontece com as normas que não são recepcionadas: são inconstitucionais ou são automaticamente revogadas pela nova Constituição?
Trata-se de uma questão polêmica na doutrina, mas o STF tem jurisprudência no sentido de que as normas anteriores não recepcionadas são automaticamente revogadas. O STF não admite, então, a tese da inconstitucionalidade superveniente. Isso, em uma visão sistêmica, tem explicação: para que uma norma seja inconstitucional, é preciso que ela primeiro integre o sistema; as normas não recepcionadas sequer ingressam no novo ordenamento – motivo pelo qual não podem ser consideradas inconstitucionais, mas apenas revogadas. Trata-se, então, de um conflito de normas no tempo, e não de um conflito de hierarquia entre normas.
Esse posicionamento tem relevantes efeitos práticos: entre eles, o de que não cabe Ação Direta de INCONSTITUCIONALIDADE (ADIn – CF, art. 102, I, a) contra lei ou ato normativo anterior à Constituição, pois não haveria inconstitucionalidade, mas mera revogação. No caso, a ação de controle concentrado cabível seria a ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental: Lei n. 9.882/1999, art. 4º). Realmente, a “ADPF, fórmula processual subsidiária do controle concentrado de constitucionalidade, é via adequada à impugnação de norma pré-constitucional9.
Confira-se, a título de exemplo, o seguinte julgado da Suprema Corte:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - IMPUGNAÇÃO DE ATO ESTATAL EDITADO ANTERIORMENTE À VIGÊNCIA DA CF/88 - INCONSTITUCIONALIDADE SUPERVENIENTE - INOCORRÊNCIA - HIPÓTESE DE REVOGAÇÃO DO ATO HIERARQUICAMENTE INFERIOR POR AUSÊNCIA DE RECEPÇÃO - IMPOSSIBILIDADE DE INSTAURAÇÃO DO CONTROLE NORMATIVO ABSTRATO - AÇÃO DIRETA NÃO CONHECIDA.
- A AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE NÃO SE REVELA INSTRUMENTO JURIDICAMENTE IDÔNEO AO EXAME DA LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DE ATOS NORMATIVOS DO PODER PÚBLICO QUE TENHAM SIDO EDITADOS EM MOMENTO ANTERIOR AO DA VIGÊNCIA DA CONSTITUIÇÃO SOB CUJA ÉGIDE FOI INSTAURADO O CONTROLE NORMATIVO ABSTRATO.
- A FISCALIZAÇÃO CONCENTRADA DE CONSTITUCIONALIDADE SUPÕE A NECESSÁRIA EXISTÊNCIA DE UMA RELAÇÃO DE CONTEMPORANEIDADE ENTRE O ATO ESTATAL IMPUGNADO E A CARTA POLÍTICA SOB CUJO DOMÍNIO NORMATIVO VEIO ELE A SER EDITADO. O ENTENDIMENTO DE QUE LEIS PRÉ-CONSTITUCIONAIS NÃO SE PREDISPÕEM, VIGENTE UMA NOVA CONSTITUIÇÃO, À TUTELA JURISDICIONAL DE CONSTITUCIONALIDADE IN ABSTRACTO.
- ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL JÁ CONSAGRADA NO REGIME ANTERIOR (RTJ 95/980 - 95/993 - 99/544) - FOI REAFIRMADO POR ESTA CORTE, EM RECENTES PRONUNCIAMENTOS, NA PERSPECTIVA DA CARTA FEDERAL DE 1988.
- A INCOMPATIBILIDADE VERTICAL SUPERVENIENTE DE ATOS DO PODER PÚBLICO, EM FACE DE UM NOVO ORDENAMENTO CONSTITUCIONAL, TRADUZ HIPÓTESE DE PURA E SIMPLES REVOGAÇÃO DESSAS ESPÉCIES JURÍDICAS, POSTO QUE LHE SÃO HIERARQUICAMENTE INFERIORES.
- O EXAME DA REVOGAÇÃO DE LEIS OU ATOS NORMATIVOS DO PODER PÚBLICO CONSTITUI MATÉRIA ABSOLUTAMENTE ESTRANHA À FUNÇÃO JURÍDICO-PROCESSUAL DA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE”10.

Obs. 1: Questões formais NÃO impedem a RECEPÇÃO.
Obs. 2: As leis anteriores e incompatíveis com a nova Constituição não serão inconstitucionais, e sim revogadas (o STF não acata a teoria da inconstitucionalidade superveniente).
Obs. 3: A recepção é um fenômeno automático, não há nenhum ato declarando que as normas foram recepcionadas: isso ocorre de maneira automática, sem previsão expressa, e eventuais dúvidas serão resolvidas pelo Poder Judiciário, especialmente pelo Supremo Tribunal Federal.

4. Incidência imediata

Uma vez promulgada a Constituição, os dispositivos nela contidos aplicam-se de forma imediata, inclusive quanto aos atos jurídicos anteriores (é a chamada retroatividade mínima ou incidência imediata). Por exemplo: a Constituição de 1988 instituiu um “teto” para as remunerações dos servidores públicos (CF, art. 37, XI): a partir de 5 de outubro de 1988, esse teto passou a ser aplicável, mesmo a quem tivesse entrado no serviço público antes da Constituição. É a incidência imediata: a aplicação aos efeitos futuros (daqui para a frente) dos atos já produzidos anteriormente11.
Essa é a regra geral. Porém, se o Constituinte originário quiser – ele pode tudo – poderá determinar inclusive a aplicação de suas normas aos fatos já consumados no passado, desconstituindo-os (retroatividade máxima) ou sua aplicação às prestações vencidas e não pagas na data da promulgação da Carta (retroatividade média). Por exemplo: a Constituição previu que todos os que tivessem sido demitidos do serviço público, durante a ditadura militar, por motivos de perseguição política, retornariam imediatamente à ativa, com direito às promoções a que fariam jus se estivessem em atividade (retroatividade máxima: a CF desfez os efeitos passados dos atos jurídicos); porém, ressalvou que ninguém seria indenizado de forma retroativa (retroatividade mínima = incidência imediata)12.
Da mesma forma, a CF poderia prever que a regra segundo a qual os juros máximos seriam de 12% ao ano (antiga redação do art. 192) aplicar-se-ia mesmo aos contratos firmados anteriormente à sua promulgação (retroatividade mínima), e inclusive quanto às prestações vencidas antes de 1988, mas ainda não pagas (retroatividade média).
A regra geral, porém, é a retroatividade mínima (incidência imediata)13; o desfazimento dos atos praticados anteriormente (retroatividade máxima) ou a aplicação das normas quanto às prestações vencidas anteriormente à Constituição, mas ainda não pagas (retroatividade média) são a exceção, e, embora admissíveis, só serão aplicadas se houver previsão expressa. Como adverte Pedro Lenza:

“O STF vem se posicionando no sentido de que as normas constitucionais, fruto da manifestação do poder constituinte originário, têm, por regra geral, retroatividade mínima, ou seja, aplicam-se a fatos que venham a acontecer após a sua promulgação, referentes a negócios passados.
(...) Portanto, sendo a regra a retroatividade mínima, nada impede que a norma constitucional, já que manifestação do poder constituinte originário ilimitado e incondicionado juridicamente, tenha retroatividade média ou máxima. Contudo, para tanto, deve existir expresso pedido na Constituição”14.

Consulte-se o seguinte precedente do STF:

“Já se firmou a jurisprudência desta Corte no sentido de que os dispositivos constitucionais têm vigência imediata, alcançando os efeitos futuros de fatos passados (retroatividade mínima). Salvo disposição expressa em contrário - e a Constituição pode fazê-lo -, eles não alcançam os fatos consumados no passado nem as prestações anteriormente vencidas e não pagas (retroatividades máxima e média)”15.
Numa tabela:

Retroatividade mínima
Retroatividade média
Retroatividade máxima
A norma constitucional incide imediatamente sobre os efeitos futuros dos atos preexistentes. Incidência imediata, mas daqui para a frente (ex nunc)
A norma constitucional incide sobre os efeitos pendentes dos atos preexistentes. Incidência imediata, inclusive quanto às prestações vencidas anteriormente, mas ainda não pagas.
A norma constitucional desconstitui (=desfaz) atos praticados no passado, antes de sua vigência. A norma se aplica aos fatos passados, de modo retroativo (ex tunc)
Exemplo: servidores admitidos antes da CF/88 terão as remunerações limitadas pelo teto, mas a partir de 5/10/1988.
Exemplo hipotético: os contratos firmados antes de 1988 teriam juros máximos de 12% a.a., mesmo quanto às prestações vencidas antes da CF e ainda não pagas.
Exemplo: os servidores que foram demitidos por motivo de perseguição política, antes de 1988, serão reintegrados, considerando-se nulo desde a época o ato de demissão.
É a regra (não precisa vir expressa)
É a exceção (precisa vir prevista expressamente)
É a exceção (precisa vir prevista expressamente)


1 BRANCO, Paulo Gustavo Gonet et al. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 130.
2 BERNARDES, Juliano Taveira. Efeitos das Normas Constitucionais no Sistema Normativo Brasileiro. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002, pp. 59-60.
3 Idem, ibidem, p. 40.
4 Existe também outra possibilidade de “ressurreição” de uma lei: quando o STF julga procedente uma ADIn (ação direta de inconstitucionalidade), retira uma lei do ordenamento jurídico. Com isso, volta a valer a lei que tenha sido por ela revogada. Assim, por exemplo: a Lei X revogou a Lei Y, mas depois aquela (Lei X) foi declarada inconstitucional pelo STF, em sede de controle abstrato de constitucionalidade (por meio de ADIn, por exemplo). Nesse caso, em regra, a Lei X será expulsa do ordenamento como se nunca tivesse existido: por isso, a Lei Y voltaria a valer. A esse fenômeno o STF denomina “efeito repristinatório”. Porém, não se trata de uma repristinação propriamente dita, pois: a) a repristinação propriamente dita pressupõe a validade da norma revogadora, o que não é o caso; b) a repristinação propriamente dita ocorre em virtude de lei, não em virtude de decisão judicial; c) a repristinação propriamente dita é um fenômeno no plano da existência da norma, não no plano da sua validade; e d) a repristinação propriamente dita jamais tem efeitos ex tunc, como ocorre, em regra, com a declaração de inconstitucionalidade.
Para fins de concursos, é preciso ter cuidado, principalmente quanto á prova subjetiva. Recomendamos utilizar a expressão “repristinação” apenas para o efeito explicado primeiramente. A esse segundo efeito, verdadeiro resultado da declaração de inconstitucionalidade, é melhor chamar de efeito repristinatório (é como se fosse uma repristinação). Nesse sentido: BERNARDES, Juliano Taveira. Efeitos das Normas Constitucionais no Sistema Normativo Brasileiro. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002, p. 77: “Apesar de correta a conclusão de que a declaração de inconstitucionalidade acarreta a revigoração do direito revogado pela norma impugnada, esse fenômeno não equivale à repristinação, que pressupõe a validade do dispositivo revogador”.
5 KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 230.
6 BERNARDES, Juliano Taveira. Op. Cit., p. 35.
7 Aliás, a Súmula Vinculante n. 8 considera inconstitucionais alguns dispositivos de leis ordinárias, justamente, por esse motivo: “São inconstitucionais o parágrafo único do artigo 5º do Decreto-lei 1.569/77 e os artigos 45 e 46 da Lei 8.212/91, que tratam de prescrição e decadência de crédito tributário”.
8 BERNARDES, Juliano Taveira. Op. Cit., p. 36. Interessante transcrever outra observação do autor: “Essa regra, porém, comporta exceção. Se a nova Constituição importou em alteração da regra de distribuição de competência entre os entes da federação, (...) não se pode cogitar da federalização de normas estaduais ou da estadualização de normas municipais. (...) opera-se a recepção somente se proveniente a norma de ente constitucional lotado em esfera superior” (p. 37). Em suma: normas federais podem ser recepcionadas como estaduais ou municipais, mas nunca o contrário. Essa questão específica já foi cobrada em prova do Cespe: Cespe/AGU/Advogado da União/2009.
9 STF, Pleno, ADPF 130/DF, Relator Ministro Ayres Britto, DJe de 05.11.2009.
10 STF, Pleno, ADIn 07-QO/DF, Relator Ministro Celso de Mello, DJ de 04.09.1992.
11 BERNARDES, Juliano Taveira. Op. Cit., p. 64.
12 ADCT, art. 8º: “É concedida anistia aos que, no período de 18 de setembro de 1946 até a data da promulgação da Constituição, foram atingidos, em decorrência de motivação exclusivamente política, por atos de exceção, institucionais ou complementares, aos que foram abrangidos pelo Decreto Legislativo nº 18, de 15 de dezembro de 1961, e aos atingidos pelo Decreto-Lei nº 864, de 12 de setembro de 1969, asseguradas as promoções, na inatividade, ao cargo, emprego, posto ou graduação a que teriam direito se estivessem em serviço ativo, obedecidos os prazos de permanência em atividade previstos nas leis e regulamentos vigentes, respeitadas as características e peculiaridades das carreiras dos servidores públicos civis e militares e observados os respectivos regimes jurídicos.
§ 1º - O disposto neste artigo somente gerará efeitos financeiros a partir da promulgação da Constituição, vedada a remuneração de qualquer espécie em caráter retroativo.”.
13 Ressalte-se, porém, que essa retroatividade mínima só é admissível quanto às normas constitucionais originárias: as leis infraconstitucionais e as emendas constitucionais não podem ter retroatividade (nem mesmo a mínima), se forem prejudicar direito adquirido, ato jurídico perfeito ou coisa julgada (CF, art. 5º, XXXVI). Cf. STF, Segunda Turma, RE 388.607-AgR/BA, Relator Ministro Joaquim Barbosa, DJ de 28.04.2006.
14 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 99.
15 STF, Primeira Turma, RE 140.499/GO, Relator Ministro Moreira Alves, DJ de 09.09.1994.

6 comentários:

  1. Execelente material professor! Tudo o que o senhor fala em sala de aula esta contido aí!!!! O senhor não respondeu a minha pergunta hein!! Ehee sobre um ex aluno seu, que se chama Everton!! Fico na aguardo

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  2. Execelente material professor! Tudo o que o senhor fala em sala de aula esta contido aí!!!! O senhor não respondeu a minha pergunta hein!! Ehee sobre um ex aluno seu, que se chama Everton!! Fico na aguardo

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  3. Excelente post. Muito esclarecedor.
    Abraços.

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  4. professor por gentileza pode tirar uma duvida, o poder constituinte originario é ilimitado juridicamente, mas tem as limitações socias, historicas etc, (limites transcendentes, limites imanetes, limites heterônomos, estes podem ser consideramos limitações juridica ou não ?

    excelente trabalho, Parabéns

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  5. Parabéns o texto está bem fácil de ser entendido, além do mais objetivo e direto.

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  6. Parabéns, João Trindade Cavalcante Filho. Sou aluno de uma faculdade de Direito do Interior do Pará e estava tendo dificuldade com essa matéria, "Poder Constituinte Originário".
    E de maneira simples, o seu texto tirou todas as minhas duvidas existentes.
    Obrigado.

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