sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Atualização jurisprudencial - 2014

Meus caros,
2014 começou, e é hora de fazer um levantamento do que de mais importante foi decidido em 2013.
A pedido do IMP Concursos, elaborei um material com três itens decididos pelo STF e que acho relevantes. 
Vamos a eles.



DIREITO CONSTITUCIONAL
Prof. JOÃO TRINDADE
twitter: @jtrindadeprof

* Consultor Legislativo do Senado Federal (1º colocado no concurso 2012 para a área de Direito Constitucional, Administrativo, Eleitoral e Processo Legislativo)
* Mestrando em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP)
* Professor de Direito Constitucional Aplicado do curso de Pós-Graduação em Direito Parlamentar do Instituto Legislativo Brasileiro (ILB/Senado Federal)
* Professor Convidado da Pós-Graduação em Direito Constitucional do Centro Universitário Dom Bosco (UNDB, São Luís-MA)
* Professor de Direito Processual Civil (controle de constitucionalidade) do curso de Graduação em Direito do Instituto de Educação Superior de Brasília (IESB)

AULÃO DE ATUALIZAÇÃO JURISPRUDENCIAL

TEMA 1: CONDENAÇÃO CRIMINAL VERSUS PERDA DE MANDATO DE PARLAMENTAR

1. PRIMEIRO PRECEDENTE: AP Nº 396/RO (Caso Natan Donadon I), 2010
         
          Não houve deliberação específica sobre a perda do mandato. Assim, a decisão deveria caber, em princípio, à Câmara dos Deputados (CF, art. 55, VI, c/c § 2º).

2. SEGUNDO PRECEDENTE: AP Nº 470/MG (Caso do Mensalão), 2012

          Houve expressa declaração de perda do mandato dos réus que eram titulares de mandato de Deputado.
          No julgamento da AP nº 470/MG – mais conhecida como “Caso Mensalão” –, o STF decidiu que, sendo o réu parlamentar, a perda do mandato é pena acessória, podendo ser imposta pelo órgão julgador e, nesse caso, devendo ser observada (automaticamente) pela Casa Legislativa.
          A Corte não considerou a perda do mandato como efeito da condenação, em sentido estrito, mas como pena acessória. Ficou consignado que a condenação criminal pode ensejar a perda do mandato do parlamentar, se essa pena for decidida pelo órgão julgador, mas não como efeito automático de qualquer condenação.
          Aplicou-se, nesse caso, o art. 92, I, a, do CP, segundo o qual é efeito da condenação (efeito específico, devendo ser declarado como pena acessória na sentença) a perda do mandato eletivo quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública.

“O STF recebeu do Poder Constituinte originário a competência para processar e julgar os parlamentares federais acusados da prática de infrações penais comuns. Como consequência, é ao STF que compete a aplicação das penas cominadas em lei, em caso de condenação. A perda do mandato eletivo é uma pena acessória da pena principal (privativa de liberdade ou restritiva de direitos), e deve ser decretada pelo órgão que exerce a função jurisdicional, como um dos efeitos da condenação, quando presentes os requisitos legais para tanto. Diferentemente da Carta outorgada de 1969, nos termos da qual as hipóteses de perda ou suspensão de direitos políticos deveriam ser disciplinadas por lei complementar (art. 149, § 3º), o que atribuía eficácia contida ao mencionado dispositivo constitucional, a atual Constituição estabeleceu os casos de perda ou suspensão dos direitos políticos em norma de eficácia plena (art. 15, III). Em consequência, o condenado criminalmente, por decisão transitada em julgado, tem seus direitos políticos suspensos pelo tempo que durarem os efeitos da condenação. A previsão contida no art. 92, I e II, do CP, é reflexo direto do disposto no art. 15, III, da CF. Assim, uma vez condenado criminalmente um réu detentor de mandato eletivo, caberá ao Poder Judiciário decidir, em definitivo, sobre a perda do mandato. Não cabe ao Poder Legislativo deliberar sobre aspectos de decisão condenatória criminal, emanada do Poder Judiciário, proferida em detrimento de membro do Congresso Nacional. A Constituição não submete a decisão do Poder Judiciário à complementação por ato de qualquer outro órgão ou Poder da República. Não há sentença jurisdicional cuja legitimidade ou eficácia esteja condicionada à aprovação pelos órgãos do Poder Político. A sentença condenatória não é a revelação do parecer de umas das projeções do poder estatal, mas a manifestação integral e completa da instância constitucionalmente competente para sancionar, em caráter definitivo, as ações típicas, antijurídicas e culpáveis. Entendimento que se extrai do art. 15, III, c/c o art. 55, IV, § 3º, ambos da CR. Afastada a incidência do § 2º do art. 55 da Lei Maior, quando a perda do mandato parlamentar for decretada pelo Poder Judiciário, como um dos efeitos da condenação criminal transitada em julgado. Ao Poder Legislativo cabe, apenas, dar fiel execução à decisão da Justiça e declarar a perda do mandato, na forma preconizada na decisão jurisdicional. Repugna à nossa Constituição o exercício do mandato parlamentar quando recaia, sobre o seu titular, a reprovação penal definitiva do Estado, suspendendo-lhe o exercício de direitos políticos e decretando-lhe a perda do mandato eletivo. A perda dos direitos políticos é ‘consequência da existência da coisa julgada’. Consequentemente, não cabe ao Poder Legislativo ‘outra conduta senão a declaração da extinção do mandato’ (RE 225.019, rel. min. Nelson Jobim). Conclusão de ordem ética consolidada a partir de precedentes do STF e extraída da CF e das leis que regem o exercício do poder político-representativo, a conferir encadeamento lógico e substância material à decisão no sentido da decretação da perda do mandato eletivo. Conclusão que também se constrói a partir da lógica sistemática da Constituição, que enuncia a cidadania, a capacidade para o exercício de direitos políticos e o preenchimento pleno das condições de elegibilidade como pressupostos sucessivos para a participação completa na formação da vontade e na condução da vida política do Estado. No caso, os réus parlamentares foram condenados pela prática, entre outros, de crimes contra a administração Pública. Conduta juridicamente incompatível com os deveres inerentes ao cargo. Circunstâncias que impõem a perda do mandato como medida adequada, necessária e proporcional. Decretada a suspensão dos direitos políticos de todos os réus, nos termos do art. 15, III, da CF”[1].

          Essa decisão ainda não contava com a participação dos Ministros Roberto Barroso e Teori Zavascki.

3. TERCEIRO PRECEDENTE: QO na AP Nº 396/RO (Caso Natan Donadon II), 2013

          A Corte reiterou a decisão de que, em não se tratando de crime cometido no exercício da função, nem incidindo o art. 92 do CP, a decisão final sobre a perda do mandato cabe à Casa (Informativo nº 712, de junho de 2013).


4. QUARTO PRECEDENTE: AP Nº 565/RO (Caso Ivo Cassol), 2013

          Expressamente, a Corte decidiu que o trânsito em julgado da condenação implica a suspensão dos direitos políticos (CF, art. 15, III), mas isso não afeta automaticamente o exercício do mandato (conquistado anteriormente). Assim, em se tratando de parlamentar, incide a literalidade do § 2º do art. 55, segundo o qual a deliberação sobre a perda do mandato é atribuição da Casa (nessa situação específica, o Senado Federal).

Relativamente ao atual mandato de senador da República, decidiu-se, por maioria, competir à respectiva Casa Legislativa deliberar sobre sua eventual perda (CF: “Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador: ... VI - que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado. ... § 2º - Nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa”). A relatora e o revisor, no que foram seguidos pela Min. Rosa Weber, reiteraram o que externado sobre o tema na apreciação da AP 470/MG. O revisor observou que, se por ocasião do trânsito em julgado o congressista ainda estivesse no exercício do cargo parlamentar, dever-se-ia oficiar à Mesa Diretiva do Senado Federal para fins de deliberação a esse respeito. O Min. Roberto Barroso pontuou haver obstáculo intransponível na literalidade do § 2º do art. 55 da CF. O Min. Teori Zavascki realçou que a condenação criminal transitada em julgado conteria como efeito secundário, natural e necessário, a suspensão dos direitos políticos, que independeria de declaração. De outro passo, ela não geraria, necessária e naturalmente, a perda de cargo público. Avaliou que, no caso específico dos parlamentares, essa consequência não se estabeleceria. No entanto, isso não dispensaria o congressista de cumprir a pena. O Min. Ricardo Lewandowski concluiu que o aludido dispositivo estaria intimamente conectado com a separação dos Poderes. Vencidos os Ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e o Presidente, que reafirmavam os votos proferidos na ação penal já indicada. Reputavam ser efeito do trânsito em julgado da condenação a perda do mandato. Dessa maneira, caberia à mesa da Casa respectiva apenas declará-la” (Informativo nº 714, agosto de 2013).

5. QUINTO PRECEDENTE: MC no MS nº 32.326/DF (Caso Natan Donadon III), 2013

          Em decisão monocrática, o Ministro Roberto Barroso “suspendeu” os efeitos da decisão da Câmara que manteve o mandato de Donadon, asseverando:

“(...) A. A Constituição prevê, como regra geral, que cabe a cada uma das Casas do Congresso Nacional, respectivamente, a decisão sobre a perda do mandato de Deputado ou Senador que sofrer condenação criminal transitada em julgado.
B. Esta regra geral, no entanto, não se aplica em caso de condenação em regime inicial fechado, por tempo superior ao prazo remanescente do mandato parlamentar. Em tal situação, a perda do mandato se dá automaticamente, por força da impossibilidade jurídica e física de seu exercício.
C. Como consequência, quando se tratar de Deputado cujo prazo de prisão em regime fechado exceda o período que falta para a conclusão de seu mandato, a perda se dá como resultado direto e inexorável da condenação, sendo a decisão da Câmara dos Deputados vinculada e declaratória”.

6. CONCLUSÕES

          6.1. A condenação criminal transitada em julgado gera, automaticamente, a suspensão dos direitos políticos (CF, art. 15, III). Mas, em se tratando de parlamentar, a decisão sobre a perda do mandato cabe à Casa (art. 55, § 2º).

          6.2. Caso se trate de crime cometido no exercício da função, a perda do cargo pode ser declarada pelo Judiciário, com base no art. 92 do CP.

          6.3. A decisão do Ministro Barroso no MS citado ainda está pendente de referendo do Plenário.

TEMA 2: PODERES DO AMICUS CURIAE

1. PRIMEIRO PRECEDENTE: INTERVENÇÃO DE AMICUS CURIAE EM MS

          A Corte aceitou a intervenção de parlamentares e de partidos políticos como amici curiae, em julgamento de MS impetrado por Senador contra projeto de lei que restringia a criação de novos partidos (MS nº 32.033/DF, Relator Ministro Gilmar Mendes):

Asseverou-se que a Corte vinha aceitando a possibilidade de ingresso do amicus curiae não apenas em processos objetivos de controle abstrato de constitucionalidade, mas também em outros feitos com perfil de transcendência subjetiva. O relator, ante a ampla repercussão do tema e a feição de controle preventivo do writ, afirmou que a participação de alguns parlamentares e partidos políticos, nessa qualidade, não feriria a dogmática processual. Destacou, inclusive, a viabilidade da admissão deles como litisconsortes. O Min. Celso de Mello consignou que a figura do amicus curiae não poderia ser reduzida à condição de mero assistente, uma vez que ele não interviria na situação de terceiro interessado na solução da controvérsia. Pluralizaria o debate constitucional, de modo que o STF pudesse dispor de todos os elementos informativos possíveis e necessários ao enfrentamento da questão, a enfatizar a impessoalidade do litígio constitucional”.

2. SEGUNDO PRECEDENTE: PODER RECURSAL DO AMICUS CURIAE

          Em regra, o amicus curiae não pode recorrer, nem mesmo pode opor embargos declaração, ainda que para buscar a modulação dos efeitos da decisão declaratória de inconstitucionalidade (“O amicus curie não tem legitimidade para interpor recurso de embargos de declaração”: ADI nº 4.167-ED/DF, Relator Ministro Joaquim Barbosa). “Segundo a jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o amicus curiae não tem legitimidade para opor Embargos de Declaração em ações de controle concentrado” (ADI nº 4.163-ED/SP, Relator Ministro Teori Zavascki).
          Cuidado! Cabem ED para buscar a modulação de efeitos, apenas o amicus curiae não tem legitimidade recursal.

TEMA 3: PREQUESTIONAMENTO FICTO

          Tradicionalmente, o STJ não aceita o prequestionamento ficto (quando o recorrente opõe ED prequestionadores, mas mesmo assim o tema constitucional/legal não é apreciado). É preciso, então, opor REsp, alegando violação ao art. 535 do CPC.
          Contudo, o STF admitia que, nessa situação, o tema constitucional considerava-se, desde já, prequestionado.
          Recentemente, porém, alguns julgados – principalmente da 1ª Turma – têm rejeitado mesmo o prequestionamento ficto, admitindo-o apenas na forma expressa.
         
“O requisito do prequestionamento obsta o conhecimento de questões constitucionais inéditas. Esta Corte não tem procedido à exegese a contrario sensu da Súmula STF 356 e, por consequência, somente considera prequestionada a questão constitucional quando tenha sido enfrentada, de modo expresso, pelo Tribunal a quo. A mera oposição de embargos declaratórios não basta para tanto. Logo, as modalidades ditas implícita e ficta de prequestionamento não ensejam o conhecimento do apelo extremo. Aplicação da Súmula STF 282: “É inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada”. Agravo regimental conhecido e não provido.” (1ª Turma, AgR no ARE 707.221/BA, Relatora Ministra Rosa Weber, julgado em 20 de agosto de 2013).

         
Espécie de prequestionamento
Definição
Posição do STJ
Posição do STF
Numérico
O acórdão recorrido faz referência expressa ao número do dispositivo legal/constitucional violado
Admite
Admite
Explícito
O acórdão recorrido faz menção expressa ao tema constitucional/legal, ainda que não preveja expressamente o número do dispositivo
Admite
Admite
Implícito
O acórdão não faz referência, direta ou indiretamente, ao tema constitucional/legal
Não admite
Não admite
Ficto
O acórdão não faz referência, direta ou indiretamente, ao tema constitucional/legal. A parte opõe embargos de declaração, que são rejeitados sem que seja suprida a omissão.
Não admite
Admitia, mas precedentes novos não vêm aceitando

QUESTÕES DE CONCURSOS

1. (Cespe/TRF2/Juiz Federal/2013) O amicus curiae somente pode demandar a sua intervenção até a data em que o relator liberar o processo para pauta de julgamento, e a sua participação será autorizada mediante despacho irrecorrível do relator nas ações diretas de inconstitucionalidade; porém a sua participação não será cabível no procedimento de controle difuso de constitucionalidade.

2. (Cespe/TRF5/Juiz Federal/2013) É cabível a oposição de embargos de declaração para fins de modulação dos efeitos de decisão proferida em ação direta de constitucionalidade.

3. (Cespe/TRF5/Juiz Federal/2013) Conforme a jurisprudência do STF, é permitido ao amicus curiae interpor recurso das decisões proferidas nos processos objetivos de controle de constitucionalidade.

4. (MPU/MPM/Promotor da Justiça Militar/2013) Por se um requisito constitucional, o prequestionamento é sempre interpretado da mesma forma pelos tribunais.

5. (Funcab/MPE-RO/Analista Processual/2012) A respeito do prequestionamento nos recursos especial e extraordinário, assinale a alternativa correta.
A) Não é exigível se o acórdão recorrido tiver julgado recurso de agravo de instrumento, mas apenas em caso de apelação.
B) Considera-se presente quanto ao ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram interpostos embargos de declaração.
C) Pode ser ficto quando se tratar de recurso especial, o que não se admite na hipótese de recurso extraordinário.
D) Decorre da necessidade de apreciação da matéria fática, limitada assim a cognição nas instâncias excepcionais.
E) Considera-se ausente no recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo tribunal a quo.

GABARITO: 1.E. 2.C. 3.E. 4.E. 5.E.

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[1] STF, Pleno, AP nº 470/MG, Relator Ministro Joaquim Barbosa, DJe de 22.04.2013 (original sem grifos).

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