Foram publicadas ontem, penúltimo dia do ano, duas Medidas Provisórias (MP) que reduzem direitos trabalhistas e previdenciários: a MP nº 664, de 2014, que altera a legislação referente aos benefícios previdenciários (inclusive pensão por morte) e a nº 665, de 2015, que altera requisitos para a obtenção de benefícios trabalhistas (como seguro-desemprego e abono salarial).
Não sou da área de Direito do Trabalho nem de Direito Previdenciário; portanto, não vou comentar em detalhes a maioria dessas alterações. Como cidadão, porém, não posso deixar de concluir algumas coisas: a) algumas alterações são justificáveis, como a questão da pensão vitalícia no INSS, para evitar a situação das "jovens viúvas" (pessoas jovens que se casam com aposentados bem mais velhos e ficam com a pensão por décadas); b) outras mudanças são mais problemáticas, como a maior dificuldade para obter seguro-desemprego e a previsão de que, agora, os afastamentos por motivo de doença do trabalhador serão custeados pelo empregador até 30 dias (antes, o INSS assumia o ônus a partir de 15 dias).
De qualquer forma, a maneira como foi feita a mudança (por Medida Provisória, sem qualquer debate prévio no Congresso), às vésperas do fim do ano, só aumenta o sentimento de que essas novas regras são uma "bofetada na cara" de quem acreditou na candidata Dilma Roussef, quando disse, durante a campanha, que não mexeria nos direitos trabalhistas "nem que a vaca tussisse" (confira a declaração, segundo fonte oficial do Governo, clicando aqui). Para quem foi - desculpem-me o termo - ingênuo de acreditar nisso, e no discurso de que os opositores da Presidente é que eram o mal em forma de gente, agora sobra a decepção...
Para o mundo dos concursos públicos, os pontos que mais interessam são dois. Primeiro, lembrar o trâmite das Medidas Provisórias: possuem vigência imediata (isso quer dizer que novas pensões e benefícios já estão regidos pela nova regra desde ontem), mas precisam ser apreciadas pelo Congresso Nacional (no prazo de 60 dias, prorrogáveis por mais 60, a contar de quando o Congresso voltar do recesso, em 2 de fevereiro). Se o Congresso rejeitar, a MP perde a validade, e volta a vigorar a legislação anterior. Se o Congresso aprovar a MP (como eu apostaria que vai acontecer), é preciso analisar se houve ou não modificações: se não houve, a MP fica automaticamente convertida em lei (não precisa ir à sanção presidencial); contudo, se o Congresso aprovar a MP com alterações, a nova redação vai para sanção ou veto da Presidente.
Algumas perguntas importantes: a) se o Congresso rejeitar a MP, como ficam os benefícios concedidos durante a vigência da norma? Em regra, serão mantidos, a não ser que o Congresso edite um Decreto Legislativo desfazendo os efeitos da MP (nesse caso, os benefícios passarão a ser regidos pela legislação que estava em vigor até anteontem); b) a mudança atinge benefícios já concedidos? Não, pela regra do direito adquirido; c) a mudança atinge os futuros benefícios devidos aos servidores e trabalhadores que entraram no regime previdenciário antes da mudança? Sim, pois o benefício previdenciário é regido pela legislação na data de sua obtenção. Assim, por exemplo, a pensionista de um servidor falecido anteontem terá direito à pensão vitalícia; mas a viúva de um servidor falecido ontem já não terá esse benefício.
Outro ponto importante para concursos são as alterações nas pensões na Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990 (Regime Jurídico dos Servidores Públicos Federais).
O tema "pensões" normalmente não é muito cobrado em provas; mas, com essa alteração, eu apostaria que o tema vai começar a ser cobrado...
Gilberto Guerzoni Filho, meu colega da Consultoria Legislativa do Senado e especialista em Previdência do Servidor Público, elaborou um quadro comparativo das alterações (que quiser ler o texto da MP nº 664 é só clicar aqui):
Lei
8.112/90
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MPV
664/14
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Art. 215. Por morte do servidor, os dependentes fazem
jus a uma pensão mensal de valor correspondente ao da respectiva remuneração ou
provento, a partir da data do óbito, observado o limite estabelecido no art.
42.
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"Art. 215. Por morte do servidor, os dependentes, nas hipóteses
legais, fazem jus à pensão a partir da data do óbito, observado o limite
estabelecido no inciso XI do caput art. 37 da Constituição e no art. 2º da Lei
nº 10.887, de 18 de junho de 2004.
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NOVO
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Parágrafo único. A concessão do benefício de que trata o caput
estará sujeita à carência de vinte e quatro contribuições mensais, ressalvada a
morte por acidente do trabalho, doença profissional ou do trabalho."
(NR)
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Art. 216. As pensões distinguem-se, quanto à
natureza, em vitalícias e temporárias.
§
1o A pensão vitalícia é composta de cota ou cotas permanentes, que
somente se extinguem ou revertem com a morte de seus beneficiários.
§
2o A pensão temporária é composta de cota ou cotas que podem se
extinguir ou reverter por motivo de morte, cessação de invalidez ou maioridade
do beneficiário.
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REVOGADO
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Art. 217. São beneficiários das
pensões:
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"Art. 217.
........................................
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I - vitalícia:
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a) o cônjuge
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I -
o cônjuge;
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b) a pessoa desquitada, separada judicialmente ou divorciada, com
percepção de pensão alimentícia;
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II
- o cônjuge divorciado, separado judicialmente ou de fato, com percepção de
pensão alimentícia estabelecida judicialmente;
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c) o companheiro ou companheira designado que comprove união
estável como entidade familiar;
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III
- o companheiro ou companheira que comprove união estável como entidade
familiar;
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II
- temporária:
a)
os filhos, ou enteados, até 21 (vinte e um) anos de idade, ou, se inválidos,
enquanto durar a invalidez;
b)
o menor sob guarda ou tutela até 21 (vinte e um) anos de idade;
d)
a pessoa designada que viva na dependência econômica do servidor, até 21 (vinte
e um) anos, ou, se inválida, enquanto durar a invalidez.
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IV
- os filhos até vinte e um anos de idade, ou, se inválidos, enquanto durar a
invalidez;
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I - vitalícia:
d)
a mãe e o pai que comprovem dependência econômica do
servidor;
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V -
a mãe e o pai que comprovem dependência econômica do servidor;
e
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e)
a pessoa designada, maior de 60 (sessenta) anos e a pessoa portadora de
deficiência, que vivam sob a dependência econômica do
servidor;
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II
- temporária:
c)
o irmão órfão, até 21 (vinte e um) anos, e o inválido, enquanto durar a
invalidez, que comprovem dependência econômica do
servidor;
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VI
- o irmão, até vinte e um anos de idade, ou o inválido ou que tenha deficiência
intelectual ou mental que o torne absoluta ou relativamente incapaz, enquanto
durar a invalidez ou a deficiência que estabeleça a dependência econômica do
servidor;
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§ 1o A concessão de pensão vitalícia aos
beneficiários de que tratam as alíneas "a" e "c" do inciso I deste artigo exclui
desse direito os demais beneficiários referidos nas alíneas "d" e
"e".
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§
1o A concessão de pensão aos beneficiários de que tratam os incisos I a IV do
caput exclui os beneficiários referidos nos incisos V e
VI.
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§ 2o A concessão da pensão temporária aos
beneficiários de que tratam as alíneas "a" e "b" do inciso II deste artigo
exclui desse direito os demais beneficiários referidos nas alíneas "c" e
"d".
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§
2º A concessão de pensão aos beneficiários de que trata o inciso V do caput
exclui os beneficiários referidos no inciso VI.
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§
3o Nas hipóteses dos incisos I a III do caput:
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I -
o tempo de duração da pensão por morte será calculado de acordo com a
expectativa de sobrevida do beneficiário na data do óbito do servidor ou
aposentado, conforme tabela abaixo:
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II
- o cônjuge, companheiro ou companheira não terá direito ao benefício da pensão
por morte se o casamento ou o início da união estável tiver ocorrido há menos de
dois anos da data do óbito do instituidor do benefício, salvo nos casos em
que:
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a)
o óbito do segurado seja decorrente de acidente posterior ao casamento ou início
da união estável; ou
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b)
o cônjuge, o companheiro ou a companheira for considerado incapaz e insuscetível
de reabilitação para o exercício de atividade remunerada que lhe garanta
subsistência, mediante exame médico-pericial, por doença ou acidente ocorrido
após o casamento ou início da união estável e anterior ao óbito, observado o
disposto no parágrafo único do art. 222.
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III
- o cônjuge, o companheiro ou a companheira quando considerado incapaz e
insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade remunerada que lhe
garanta subsistência, mediante exame médico-pericial, por doença ou acidente
ocorrido entre o casamento ou início da união estável e a cessação do pagamento
do benefício, terá direito à pensão por morte vitalícia, observado o disposto no
parágrafo único do art. 222. (NR)
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§
4o Para efeito do disposto no inciso I do § 3º, a expectativa de sobrevida será
obtida a partir da Tábua Completa de Mortalidade - ambos os sexos - construída
pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, vigente no
momento do óbito do servidor ou aposentado.
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§
5º O enteado e o menor tutelado equiparam-se a filho mediante declaração do
segurado e desde que comprovada a dependência econômica na forma estabelecida no
Regulamento." (NR)
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Art. 218. A pensão será concedida integralmente ao titular da
pensão vitalícia, exceto se existirem beneficiários da pensão temporária.
§ 1o Ocorrendo habilitação de vários titulares à
pensão vitalícia, o seu valor será distribuído em partes iguais entre os
beneficiários habilitados.
§ 2o Ocorrendo habilitação às pensões vitalícia
e temporária, metade do valor caberá ao titular ou titulares da pensão
vitalícia, sendo a outra metade rateada em partes iguais, entre os titulares da
pensão temporária.
§ 3o Ocorrendo habilitação somente à pensão
temporária, o valor integral da pensão será rateado, em partes iguais, entre os
que se habilitarem.
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"Art. 218. Ocorrendo habilitação de vários titulares à pensão o seu
valor será distribuído em partes iguais entre os beneficiários habilitados."
(NR)
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Art. 222. Acarreta perda da qualidade de
beneficiário:
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"Art. 222. Acarreta perda da qualidade de
beneficiário:
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.......................................................
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IV - a maioridade de filho, irmão órfão ou pessoa designada, aos 21
(vinte e um) anos de idade;
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IV
- o atingimento da idade de vinte e um anos pelo filho ou irmão, observado o
disposto no § 5º do art. 217;
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.......................................................
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VI - a renúncia expressa. |
VI
- a renúncia expressa; e
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VII
- o decurso do prazo de recebimento de pensão dos beneficiários de que tratam os
incisos I a III do caput do art. 217.
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Parágrafo único. A critério da Administração, o
beneficiário de pensão temporária motivada por invalidez poderá ser convocado a
qualquer momento para avaliação das condições que ensejaram a concessão do
benefício.
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Parágrafo único. A critério da Administração, o beneficiário de
pensão motivada por invalidez poderá ser convocado a qualquer momento para
avaliação das condições que ensejaram a concessão do benefício."
(NR)
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Art. 223. Por morte ou perda da qualidade de beneficiário, a
respectiva cota reverterá:
I - da pensão vitalícia para os remanescentes desta pensão ou para
os titulares da pensão temporária, se não houver pensionista remanescente da
pensão vitalícia;
II - da pensão temporária para os co-beneficiários ou, na falta
destes, para o beneficiário da pensão vitalícia.
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"Art. 223. Por morte ou perda da qualidade de beneficiário, a
respectiva cota reverterá para os cobeneficiários."
(NR)
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Art. 225. Ressalvado o direito de opção, é vedada a percepção
cumulativa de mais de duas pensões.
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"Art. 225. Ressalvado o direito de opção, é vedada a percepção
cumulativa de pensão deixada por mais de um cônjuge, companheiro ou companheira,
e de mais de duas pensões."(NR)
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Dessa maneira, o cônjuge e o companheiro, que faziam jus a pensão vitalícia (até morrerem), agora terão esse benefício por prazo determinado, de acordo com a idade (quanto mais jovem o beneficiário, por menos tempo terá o benefício). Assim, por exemplo, um pensionista muito jovem (mais de 55 anos de expectativa de vida) receberá o benefício por apenas 3 anos; se tiver mais entre 50 e 55 anos de expectativa de vida, receberá pensão por 6 anos, e assim sucessivamente. O pensionista só receberá pensão vitalícia (até morrer) se tiver menos de 35 anos de expectativa de vida (o que significa, para as mulheres, algo em torno de 45 anos de idade ou mais).
Outra mudança importante é o fato de que o cônjuge ou companheiro só receberá a pensão, em regra, se o casamento ou união estável havia ocorrido há mais de dois anos, na data do óbito (salvo situações excepcionais, como acidente em serviço). Quer-se evitar, com isso, os "oportunistas", que se casam com pessoas muito idosas apenas para obter a pensão.
Algumas mudanças, como disse, são até justificáveis; mas outras são verdadeiramente absurdas (como a regra de que, se o falecido recebia dois vencimentos - por cargos acumuláveis -, o pensionista precisará optar por uma das pensões). Resta esperar que o Congresso aperfeiçoe a norma. E que os brasileiros, em eleições próximas, votem conscientemente; em um candidato ou outro, de acordo com suas convicções (como, de fato, foi o caso de muitas pessoas que votaram em Dilma ou Aécio ou Marina ou quem-quer-que-seja), mas que não caiam mais na lábia do populismo barato que se desmente antes mesmo do início de um novo mandato.
Bons estudos a todos, e que 2015 seja um ano de paz, bênçãos e felicidade para todos nós!
PS: Continua à venda meu livro "Servidor Público", com comentários à Lei nº 8.112, de 1990, para concursos (Coleção "Leis Especiais para Concursos"). A 5ª edição acabou de sair e pode ser adquirida com frete grátis para todo o Brasil, clicando aqui. Assim que houver definição sobre essa MP nº 664, lançarei uma atualização no site!
Artigo espetacular professor! Sou fã do seu trabalho! Que Deus te abençoe! Feliz 2015!
ResponderExcluirMuito bem explanado.
ResponderExcluirParabéns!
Restou uma dúvida sobre a forma de cálculo do benefício. Será reativado igualmente pelos beneficiários? O rateio dos 50% mais 10% para cada um dos habilitados só se aplica ao RGPS?
ResponderExcluirGostaria de saber mais a respeito do cálculo do benefício. Segundo o Ministério da Previdência Social, a pensão por morte do segurado será reduzida a 50%, que será dividido pelo grupo familiar (mulher e filhos menores e, se houver, deficientes) e não pago apenas à viúva. Além desse percentual, cada um terá direito a 10% (inclusive ela). Por exemplo, uma viúva com um filho do segurado, por exemplo, receberá 70% do valor (50% mais 10% referentes à mãe e 10% ao filho).
ResponderExcluirA principal dúvida é se essa forma de cálculo também se aplicará ao servidor público ou somente aos filiados ao RGPS.
Em alguns artigos, especialistas se referiram ã base de báculo do benefício como sendo a remuneração ou proventos do servidor. Ainda se aplica o redutor instituído pela Lei 10.887/2004?
Gostaria de saber sua opinião sobre essa forma de cálculo.
Obrigada!
Excelente explicação, parabens!
ResponderExcluirUm servidor público aposentado antes da vigencia da MP, morrendo hj, a pensão da viuva tambem será reduzida.
ResponderExcluirA lei não pode reagir um ato perfeito, a coisa julgada e etc...rsrs. Não era esse princípio que eu queria citar não, era outro, mas esqueci, era só pra dizer que não pode retroagir. Mas partindo da Tia Dilma, todo cuidado é pouco!!!
Excluireu achei esse artigo impressionante, ficou muito claro e facil de entender essas mudanças, parabens nao conheci seu blog e fiquei impressionada com tantos artigos excelentes, muito bom
ResponderExcluirExcelente explanação. Apenas um reparo: a MP permite o recebimento de duas pensões, ao contrário do que você escreveu. Confira o Art. 225 até o final.
ResponderExcluirProfessor (ou ex-), parabéns por "1º lugar no concurso 2012 para a área Constitucional, Administrativo, Eleitoral e Processo Legislativo". Você tem meu respeito! Belíssimo texto!!! Simples, esclarecedor! Obrigda!
ResponderExcluirParece que a vaca tossiu...
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirSe o óbito ocorreu no ano de 2012 tendo um processo de união estável em curso desde então aguardando sentença para posterior pedido de pensão sera aplicado a lei vigente na data do óbito ou seja em 2012 ou já será aplicado a nova regra da Medida Provisória 664
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