Meus caros,
como se aproxima o concurso do MPU, e como o tema "Funções essenciais à Justiça" vem caindo muito também em vários outros concursos, resolvi fazer um post sobre o controverso princípio do Promotor Natural.
Essa explicação consta da 2ª edição do meu livro"Legislação Aplicada ao MPU", que será lançada brevemente pela Editora LeYa/Alumuns!
Vamos às explicações!
O princípio do promotor natural é, de acordo com a maioria dos estudiosos, um princípio que se encontra
implícito na CF.
Existem duas visões acerca
do princípio do promotor natural: uma, mais ampla, que o entende – à semelhança
do princípio do juiz natural (esse, sim, expresso na CF, no art. 5º, XXXVII e
LIII) – como uma garantia contra a substituição de um membro originalmente
designado para um processo por outro membro; já numa visão mais estrita – e que
é a predominante na doutrina e na jurisprudência – o princípio do promotor
natural significa que o membro designado para atuar em um processo dele não
pode ser retirado arbitrariamente, nem pode haver manipulação na distribuição
de processos aos membros do MP.
Particularmente, entendemos
que esse princípio não está implícito na CF. Caso se entenda que o conteúdo
dessa norma seria uma impossibilidade de substituição de um membro “natural”
por outro, isso iria contrariar o princípio (expresso) da indivisibilidade. Por
outro lado, se se adotar o conceito restrito, nada mais se tem do que a
proibição do desvio de finalidade (manipulação de distribuição de processos,
etc.), o que é vedado em toda a administração pública (apenas de não existir um
princípio do “administrador natural”).
Porém, para concursos
públicos recomendamos adotar a tese da doutrina majoritária, no sentido de que
o princípio do promotor natural está implícito no ordenamento constitucional
brasileiro, no sentido estrito (proibição da designação casuística de membro
para atuar em um processo). Essa é a posição mais segura, inclusive para a
prova dissertativa, embora seja possível registrar a existência de outros
pontos de vista.
Na jurisprudência, o tema
também é controverso. O próprio STF já chegou a sustentá-lo, em 1993, mas
voltou atrás e, em 2008, consignou com todas as letras que o Brasil não adotava
tal preceito (STF, 2ª Turma, HC
90.277/DF, Relatora Ministra Ellen Gracie, DJE de 1º.08.2008). Nessa época, a
própria doutrina reconhecia que “a Corte Suprema, por maioria de votos,
refutou a tese do princípio do promotor natural no ordenamento jurídico
brasileiro (HC 67.759/RJ, DJU de 1º.7.93), orientação essa confirmada,
posteriormente, na apreciação do HC 84.468/ES (DJU de 20.2.2006) e de outros
acórdãos mais recentes”[1].
Contudo, esses precedentes foram superados, pois, em
julgados posteriores, o STF deu sinais de que reconhece o princípio do promotor
natural como imanente ao ordenamento brasileiro. Veja-se, por exemplo, o HC
103.038/PA, 2ª Turma, Relator Ministro Joaquim Barbosa, julgado em 11.10.2011.
Como a matéria é cobrada
pelas bancas?
Na prova ESAF/MPU/Analista Administrativo/2004,
quando se pedia um princípio que não era aplicável ao Ministério
Público, a resposta oficial foi a letra “d”: princípio do promotor natural.
Já
no concurso para Técnico de Notificações do TCE-RJ, elaborado pela Fundação
Escola Superior do Ministério Público do Rio de Janeiro em 2012, cobrou-se a
seguinte questão:
De acordo com a construção doutrinária e
jurisprudencial, configura hipótese de violação do princípio do promotor
natural:
A) designação de órgão de composição
pluripessoal, de atuação despersonalizada, com anuência do Promotor de Justiça
com atribuição natural;
B) designação de Promotores de Justiça em sistema
de mutirão, com anuência do Promotor de Justiça com atribuição natural;
C) designação de um Promotor de Justiça cuja
intervenção se justifique a partir de critérios abstratos e pré-determinados,
estabelecidos em lei;
D) designação prévia e motivada de um Promotor
de Justiça para atuar na sessão de julgamento do Tribunal do Júri, com anuência
do Promotor de Justiça com atribuição natural;
E) designação de um Promotor de Justiça ad hoc
ou de exceção com a finalidade de processar uma pessoa ou caso específico.
A resposta considerada correta foi a letra “E”
(que realmente implica uma violação ao princípio do promotor natural, na visão
restrita adotada pela doutrina majoritária). Note-se que a questão sequer
discutiu a aplicação do princípio ao Direito brasileiro: apenas perguntou qual
das situações o violaria.
Na
prova para Analista Judiciário – área judiciária do TJ/AL, elaborado pelo
Cespe, foi considerada errada a seguinte alternativa: “Constituem
princípios institucionais do Ministério Público (MP) a unidade, a
indivisibilidade, o promotor natural, mas não a independência funcional, já que
o órgão do MP sujeita-se às ordens emanadas do chefe da instituição.”. Como
se percebe, o erro está em afirmar que não é princípio institucional do MP a
independência funcional, mas provavelmente a banca considerava certa a
alternativa, até antes do “mas não”...
Em
provas anteriores, o Cespe adotava a posição jurisprudencial do STF no sentido
de não se admitir o princípio do promotor natural. Justamente por isso, na
prova para Promotor de Justiça do MPE-SE, aplicada em 2010, a banca considerou errada
a afirmação segundo a qual “O princípio do promotor natural, imanente ao
sistema constitucional brasileiro, impede que, em situações estritas e definidas
na lei, seja afastado o promotor de justiça do processo em que deveria atuar ou
removido da promotoria de que seja titular”. Porém, de forma contraditória,
no mesmo ano – e antes da mudança de entendimento do STF, a banca cobrou na
prova para Analista Processual do MPU questão, considerada correta, que
afirmava que “O princípio do promotor natural decorre da independência funcional
e da garantia da inamovibilidade dos membros da instituição”.
Já
a FCC, na prova para Técnico Judiciário do TST (2012), cobrou a seguinte
questão:
Ao discorrer sobre os princípios constitucionais
que devem informar a atuação do Ministério Público, Pedro Lenza afirma que o
acusado “tem o direito e a garantia constitucional de somente ser processado
por um órgão independente
do Estado, vedando-se, por consequência, a
designação arbitrária, inclusive, de promotores ad hoc ou por encomenda”
(Direito Constitucional Esquematizado − Saraiva − 2011 − p. 766). Trata-se do
princípio
(A) da inamovibilidade do membro do Ministério
Público.
(B) da independência funcional do membro do
Ministério Público.
(C) da indivisibilidade do Ministério Público.
(D) da unidade do Ministério Público.
(E) do promotor natural.
A
resposta foi a alternativa “E”, que realmente é a que se refere ao conteúdo da
explicação. Mais uma vez, a banca não questionava se o princípio era ou não
adotado no Direito brasileiro (embora isso esteja implicitamente assumido ao se
cobrar o tema).
Em
resumo, pode-se afirmar que as bancas, em geral, adotam a tese da doutrina
majoritária, no sentido de que o princípio do promotor natural é adotado no
ordenamento jurídico brasileiro, vedando designações casuísticas ou a
substituição arbitrária de membros do
MP. Essa é a posição mais segura para ser levada em consideração pelo candidato
na hora da prova.
Em
resumo:
Posição doutrinária
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Significação
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Bancas que já adotaram expressamente
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Posição do STF
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Promotor natural (vertente radical)
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Exatamente como acontece
em relação ao princípio do juiz natural (art. 5º, LIII), o membro que atua em
um processo não pode ser substituído, a não ser em casos especialíssimos. A
possibilidade de substituição não é a regra, é a exceção
|
Nenhuma
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Nunca foi adotada pelo STF
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Promotor natural (vertente moderada)
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Pode haver a substituição
de um membro por outro (princípio da indivisibilidade), desde que não seja
feita de forma arbitrária, respeitando-se também o fato de que não pode haver
designação casuística
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FEMPERJ (2012), Cespe
(2012) e FCC (2012)
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É a posição atualmente
adotada pelo STF (HC 103.038/PA)
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Inexistência do princípio do promotor natural
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O princípio não está
implícito no ordenamento brasileiro, pois é incompatível com o princípio
expresso da indivisibilidade
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ESAF (2004)
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Foi a posição adotada pelo
STF entre 2008 e 2011 (HC 90.277)
|
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